Se você quer fazer um gesto de boa vontade para a família, ser um bom filho, irmão ou sentir-se o melhor dos netos, passe duas horas com sua mãe, avó ou irmã mais nova assistindo a Horas Decisivas (The Finest Hours), de Craig Gillespie, que até deve passar no SBT algum dia. O filme tem tudo que esse núcleo familiar e a emissora do Silvio sempre gostam: o selo Disney, classificação livre, bons efeitos especiais, romances paroquianos, heroísmo e mensagens moralizantes. Acima de tudo, como liga de todos esses ingredientes, o aviso “baseado em uma história real” no início. O filme é inspirado no livro homônimo de Casey Sherman, sobre o dramático resgate dos tripulantes de um navio-plataforma que se racha no mar, após uma terrível tempestade em 1952. Mesmo sem recursos e com pouquíssimas chances de sucesso, a guarda-costeira americana enfrentou o mau tempo em busca dos sobreviventes.
No filme, Chris Pine (o Capitão Kirk dos novos Star Trek) interpreta Bernie Webber, jovem e inseguro oficial da guarda-costeira que carrega o peso do remorso por um resgate fracassado no passado recente. Apaixonado pela namorada Miriam (a lindíssima Holliday Grainger, da série de TV Os Bórgias), ele é um cumpridor crônico de regras (óbvio – a menos que o sentimento heroico o faça quebra-las pelo bem de todos) e precisa pedir autorização do superior para se casar e seguir em frente com a própria vida, já carente do apoio de amigos e familiares. Enquanto isso, a tripulação de um navio tanque está em apuros, após a embarcação literalmente quebrar ao meio durante uma tempestade que mais parece um furacão. Com a perda do capitão, o primeiro oficial Ray Sybert (Casey Affleck) precisa enfrentar a dura resistência dos colegas e assumir o comando da situação para evitar, ou pelos menos adiar ao máximo, a morte iminente. Em meio a um inverno extremamente rigoroso e contra todas as expectativas, Bernie parte para a missão que pode ajudá-lo a superar de vez o trauma que possui, reconquistando ainda a confiança de toda a comunidade onde mora.
Horas Decisivas pode ser dividido em dois. Na primeira metade temos um filme confuso, que não se decide entre o lacrimoso e tolo romance água-com-açúcar entre Bernie e Miriam e a tensa situação que se desenrola no navio acidentado. As duas histórias correm em paralelo, em uma colagem narrativa irregular que não se complementa e até confunde, num primeiro momento, quem não se antecipou ao enredo. Nada parece ir para lugar algum, mas a luta dos tripulantes pela sobrevivência e as brigas entre eles salvam o espectador do tédio absoluto. Na segunda metade temos o filme propriamente dito, com a história que o justifica a pleno vapor. Com Bernie superando seus medos e partindo para a ação, chegamos a momentos mais envolventes, sustentados por grandes efeitos especiais, suspense e com todos caminhos antes desconexos se convergindo. É bem provável que, no fim da sessão, apenas as cenas dessa segunda metade estejam na memória do público.
Aparentemente, o diretor Craig Gillespie (do péssimo remake de A Hora do Espanto) em nenhum momento quis fazer um filme memorável. Sua obra aspira apenas o puro entretenimento e apesar de – talvez – conseguir relativo sucesso com esse objetivo, seu filme deixa muito a desejar em criatividade narrativa. É nítida a dificuldade em se construir a história em torno de Bernie na primeira metade, pela necessidade irritante de se justificar e destacar o perfil psicológico do personagem, atingindo assim o desejado efeito dramático na parte final. O resultado é uma colagem de clichês narrativos que tentam deixar clara a situação até para o mais desatencioso expectador. A segunda metade, concentrada basicamente no resgate, é mais bem delineada, mas não foge à regra, com subsequentes mensagens de patriotismo, personalidades quase caricatas e didáticas explicações sobre todos os acontecimentos em cena.
O roteiro é raso, oferecendo saídas fáceis para os grandes problemas criados, como se houvesse pressa em acabar logo o filme. Personagens mal escritos e alguns deles não mostram a que vieram, servindo apenas de escada dramática. O objetivo, claro, é não complicar demais. As atuações são discretas e não chamam muito a atenção, nem para o bem ou para o mal, com exceção de Holliday Grainger, que consegue dar a Miriam um valor muito maior que o proposto pelo roteiro, que passa a impressão de querer usa-la apenas como uma muleta emocional.
A fotografia e os efeitos sonoros e visuais se destacam, junto com os momentos com a tripulação do navio acidentado. Se Horas Decisivas se concentrasse primariamente nas vítimas e na tensão do naufrágio, deixando as cenas do resgate em segundo plano e descartando quase todo o cenário excessivamente emocional, teríamos um resultado final muito, muito melhor. Com as opções feitas, temos um filme família ok, uma diversão de tarde razoável, mas que dificilmente marcará a memória de alguém.