É admirável que Woody Allen consiga manter-se entregando um filme por ano, com roteiros de sua exclusiva autoria. Quase uma contradição que um verdadeiro cineasta autor, como ele, trabalhe com uma rapidez que mais se parece com uma linha de produção, mas isso também torna mais divertida a tarefa de escrever sobre seu trabalho. Chega a ser inevitável uma comparação com os filmes anteriores mais recentes, já que estão bem vivos em nossa memória, convidando a uma reflexão sobre as fases dessa carreira tão rica. Ano passado, a leveza encantadora e algo cínica de Magia ao Luar manteve o padrão elevado, agora temos como último exemplar uma obra carregada de filosofia… Mas não foi sempre assim?
Sim, mas em Homem Irracional (Irrational Man) essa relação está mais evidente, graças a Abe Lucas, personagem de Joaquin Phoenix, professor de filosofia absolutamente desiludido com a vida, assumindo um cargo docente na Universidade de Newport, onde acaba de chegar. Abe é um dos típicos alter egos de Woody Allen, dentro de uma narrativa que pende mais para o drama, ainda que conduzida com a sutileza habitual. Procurando algum motivo para seguir em frente, enquanto sua fama cresce no campus, ele é assediado pela professora Rita, vivida por Parker Posey, e desperta uma atração forte em sua aluna Jill, papel de Emma Stone, colaborando pela segunda vez com o cineasta. A situação é bem característica dos filmes de Allen, conforme você já percebeu, mas em um ato inesperado e questionável, onde muitos enxergarão uma ética irretocável, o professor encontrará sentido para sua vida quase perdida.
A graça, pelo menos para o espectador mais atento à profundidade do texto, está nos diálogos afiadíssimos, vez por outra embasados por grandes nomes da filosofia. Os conflitos de cada um se desenvolvem em meio a justificativas próprias, que não raro esbarram em contradições, mas a forma cadenciada de como isso se constrói ao longo dos 95 minutos do filme merece elogios. O ritmo é seguro do início ao fim, valorizando o belo trabalho dos atores. Joaquin Phoenix, exibindo a postura e a barriga de alguém que já não liga para muita coisa, convence e coloca em xeque várias crenças do animal social, enquanto Emma Stone, que brilhou recentemente em Birdman, entrega outra bela performance e vai se firmando como grande atriz. Parker Posey tem menos destaque como a infeliz Rita, mas não decepciona e completa o triângulo com dignidade.
Na parte visual, o cuidado de sempre. Os admiradores do trabalho de Woody Allen já se acostumaram a um uso esperto das cores, com uma fotografia que as valorize de uma forma discreta, mantendo a naturalidade da narrativa. Darius Khondji, que trabalhou com o cineasta em Magia ao Luar e Meia-Noite em Paris, fez aqui um trabalho tão bom quanto os anteriores, que não vai frustrar a expectativa de quem conhece o conjunto da obra.
Ressalvas? Podem até surgir em uma revisão, mas parece difícil que isso aconteça. Homem Irracional é um filme onde a profundidade psicológica não pesa e rende reflexões solitárias ou conversas interessantes pós-sessão. Suponho que muitos – como eu – dirão que Blue Jasmine, de 2013, ainda é o melhor da safra recente, mas em uma filmografia como essa, não é estranho que os dois mereçam a classificação máxima.
P.S.: Apenas a existência de uma reviravolta com o personagem principal é indicada no trailer. Os detalhes e a natureza dela não são revelados, então assista sem medo!