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Histórias Assustadoras para Contar no Escuro – O título engana…

Baseado em série de livros, Histórias Assustadoras para Contar no Escuro tenta emplacar uma nova franquia

O Terror, enquanto gênero, sofre daquele mal da produção em larga escala, explorando fórmulas fáceis para suprir demandas de plateias que, em sua maioria, se tornaram menos exigentes com o passar do tempo. Vez por outra, aparece alguma coisa diferente digna de nota, como A Bruxa, mas são alívios no meio de um oceano de obras descartáveis. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (Scary Stories To Tell in The Dark), infelizmente, é apenas mais um filme produzido a toque de caixa, apostando quase que exclusivamente em clichês.

Crítica de Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro

Contando com o peso do nome de Guillermo del Toro como produtor, estratégia batida para chamar atenção, o filme é dirigido pelo norueguês André Øvredal, do bacana O Caçador de Trolls e do recente A Autópsia. Chama atenção ter um diretor fora do eixo hollywoodiano, mas Øvredal já entrou em desvantagem no projeto, graças a um roteiro que traz CINCO pessoas nos créditos. Entre elas, o próprio del Toro, adaptando a série literária homônima de Alvin Schwartz (curiosos sobre essa obra podem encontrar a edição em português na Amazon).

Antes de maiores considerações sobre esse grupo de escritores espremidos no mesmo texto, a sinopse. Em 1968, um grupo de adolescentes descobre, por acaso, um livro com histórias macabras que se escrevem sozinhas, cujas pessoas citadas sofrem na vida real o destino ali descrito. Encontrado dentro de uma mansão abandonada na pequena cidade onde vivem, o livro tem por trás os acontecimentos trágicos de Sarah Bellows, maltratada e aprisionada pela sua própria família no século anterior. O envolvimento com Magia Negra a transformou na entidade que Stella e seus amigos tentarão deter.

A figura feminina enclausurada que se torna um monstro já é um clichê forte, mas as figuras principais do filme carregam estereótipos mais gritantes. A nerd Stella é – vejam só – fanática por histórias e filmes de Terror, com aspirações de tornar-se escritora. Além disso, também sofre por ter sido abandonada pela mãe na infância. Ela e seus dois amigos tem problemas com – adivinhem – valentões que os atormentam. O núcleo principal do elenco se completa com Ramon, discriminado pela origem latina.

Crítica de Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro

Histórias Assustadoras investe pesado no contexto da época. Aí está a justificativa para um personagem latino, evidenciando o racismo provinciano norte-americano, mas não faltam menções a Nixon e ao Vietnã. Lamentavelmente, o subtexto crítico parece encaixado à força na trama geral, que poderia muito bem ambientar-se em qualquer outra época sem prejudicar sua essência. Apesar deste incômodo, isso não é pior que o filme tem a apresentar.

Agora sim, enfocando o problema dos vários roteiristas envolvidos. Quando comparamos os créditos anteriores de Marcus Dunstan e Patrick Melton com os de Dan e Kevin Hageman, temos alguma ideia das intenções dos produtores. Os dois primeiros vêm de franquias como Jogos Mortais, o que sugere que sua abordagem penderia muito mais para o gore. Já os outros dois tem experiência em filmes como Uma Aventura Lego e Hotel Transilvânia, evidentemente, direcionados a um público bem diferente do que consome Terror.

É natural concluir que o estúdio pediu aos Hageman uma suavização do texto, logicamente, para atrair um público consideravelmente maior. Justamente por isso, o resultado, deixando de lado se é fiel ao livro de Schwartz ou não, é morno e não se sustenta muito bem como obra cinematográfica. Pelos evidentes ecos de Stranger Things ali, talvez se saísse melhor mesmo como série no serviço de streaming.

Fica óbvia a preocupação em conferir substância ao conjunto, pela ambientação sessentista e pela referência quase metalinguística do poder intrínseco das histórias. No caso desta última, talvez ninguém pensasse nisso se o próprio roteiro não fizesse questão de tocar no assunto, como o faz sem a menor sutileza. Nestas condições, pode um diretor fazer a diferença e tirar leite de pedra? Cinéfilos veteranos já viram acontecer e dirão que sim, mas não foi o caso aqui.

Direção, fotografia e cia. não tem para onde correr

André Øvredal só poderia mesmo bater cartão. Não podemos culpa-lo pela condução genérica do filme, já que os próprios produtores não parecem ter muita ambição além de emplacar mais uma franquia no cinema. Em seus 110 minutos, Histórias Assustadoras não apresenta nenhum enquadramento mais criativo ou solução narrativa interessante. Pelo contrário, insiste no recurso mais manjado do gênero, com jumpscares absolutamente telegrafados por um uso óbvio do som e da câmera.

Com o diretor incapaz, ou impedido, de tentar uma abordagem mais sutil, as aparições de monstruosidades também não cumprem sua função principal de assustar, sequer criando algum tipo de tensão convincente. Seguindo a cartilha genérica, a fotografia de Roman Oslin investe no peso da escuridão em momentos chave, também sem muito esmero quando se trata de indicar a época em que o filme se passa, tarefa que fica totalmente a cargo do design de produção. A trilha sonora de Marco Beltrami também não traz nada memorável e nem poderia, encaixando-se facilmente em qualquer outra produção similar.

Pegando o gancho da comparação anterior com a série da Netflix, Histórias Assustadoras para Contar no Escuro pode até servir como um passatempo simples e descompromissado em casa, ambiente na qual a exigência é sempre menor. Na telona, fica muito evidente que o estúdio queria um verniz mais rebuscado, mesmo consciente de seu conteúdo, além de inaugurar mais uma franquia de sucesso. Se isso acontecerá ou não, tanto faz… pelo menos para quem procura algo além do medíocre.

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