O público em geral não sabe – e talvez nem venha a descobrir – que Hercules, de Brett Ratner, é baseado em uma HQ não publicada no Brasil. A Radical Studios lançou as minisséries Hercules: The Thracian Wars em 2008, e no ano seguinte The Knives of Kush, sendo a primeira a base para o filme. As duas foram escritas pelo roteirista Steve Moore, falecido em março deste ano com sua relação com a Radical abalada. Isso parece não ter muito a ver com o filme, mas torna-se pertinente conforme o assunto avança.
Os problemas de Steve Moore, envolvendo Hercules, começaram com o não cumprimento de algumas obrigações contratuais da editora. Pioraram quando o filme foi anunciado, pois ele sequer sabia disso e foi sumariamente excluído das negociações. Percebendo que sua HQ – adulta e com pesquisa histórica apurada – seria transformada em um pastiche infantilizado, resolveu ignorar o caso e cobrar seu pagamento pendente pelos quadrinhos, satisfeito por não ter seu nome vinculado à produção.
O que é realmente revoltante é que, após sua morte, resolveram lucrar com seu nome, que andava em evidência nos meios especializados pelo falecimento, e ele finalmente foi creditado como criador da HQ que deu origem ao filme, mas não passou de oportunismo e publicidade grátis para o estúdio. É um caso tão sórdido que Alan Moore (sem parentesco) pediu pelo boicote daquilo que ele se referiu como “filme miserável” em uma entrevista ao Bleeding Cool, onde detalha o que seu amigo passou.
Agora, finalmente, chegou a hora de entrar nos méritos do filme. Hercules traz Dwayne “The Rock” Johnson no papel principal, compondo um personagem diferente daquele da mitologia, pois este Hercules é uma espécie de Conan, aproveitando-se da lenda de semideus criada em torno do seu nome. Seu sobrinho, Iolaus (Reece Ritchie) faz parte do seu bando mercenário e age como um cronista falsário, alimentando a mitologia sobre os 12 trabalhos, Zeus e tudo mais. Também estão no grupo Autolycus (Rufus Sewell), Amphiaraus (Ian McShane), Atalanta (Ingrid Bolsø Berdal) e Tydeus (Aksel Hennie). O grupo é recrutado para ajudar o rei da Trácia, Cotys (John Hurt), treinando seu exército para defender-se de um usurpador que está a caminho do reino. O passado de Hercules em Atenas, que envolve a morte de sua esposa e filhos, também será aos poucos esclarecido durante a narrativa, e é isso.
Tem reviravoltas? SIM!!! Elas são convincentes? NÃO!!! Nem um pouco, pois o roteiro e a direção parecem ter como objetivo reunir tudo de mais previsível que já foi feito no cinema. É incrível como as tentativas de surpreender o público são telegrafadas, apelando até para aqueles silêncios em que os personagens se aproximam devagar de alguém caído, só para exemplificar. As reações “inesperadas” deste ou daquele personagem também são um testemunho triste da preguiça dos envolvidos.
O equívoco piora quando percebemos que uma ideia interessante -um Hercules humano por trás de um mito – foi atirada na lama, pois essa proposta traz a certeza de que o protagonista não tem super-força, mas suas façanhas físicas por todo filme são tão irreais que faz pensar se não seria melhor retrata-lo como divino mesmo. É preciso admitir que “The Rock” tem um carisma inegável como herói, mas se ele merecia coisa melhor, a coisa fica mais feia para Rufus Sewell, Ian McShane e John Hurt, grandes atores britânicos apenas garantindo o pão de cada dia.
Sobre as cenas de ação, a ausência de uma violência mais gráfica se torna outro defeito. Claro que o filme tem aquela classificação que quase sempre mata as intenções do diretor, a PG-13, então nada muito vermelho jorra na tela, apesar dos golpes de espada, clava e outros objetos contundentes. Se ninguém sangra de forma convincente, fica difícil sentir que os heróis correm algum perigo, mesmo que cada um deles esteja enfrentando, isoladamente, dezenas de guerreiros enlouquecidos – mais um exagero – o que também prejudica a verossimilhança.
Ficam no ar duas perguntas: Os roteiristas Ryan Condal e Evan Spiliotopoulos são parentes de algum figurão da Paramunt ou da MGM, responsáveis pela produção? Não é possível que alguém tenha lido isso e se entusiasmado, pois a única boa sacada veio da HQ. A outra é se realmente Brett Ratner fez alguma coisa ali na função de cineasta, já que mesmo não tendo uma carreira lá muito aclamada, ele tem filmes muito melhores no currículo – Dragão Vermelho, por exemplo. É realmente uma pena que a fotografia do competente Dante Spinotti, do já clássico Los Angeles – Cidade Proibida, seja desperdiçada numa produção como essa.
Se Steve Moore ainda estivesse entre nós, é provável teríamos um pouco mais de barulho sobre os bastidores desta adaptação. De qualquer forma, Alan Moore comprou a briga e fez sua parte, ainda que o público de cinema não dê muita bola para esse tipo de confusão. Um conselho: se a vontade de ver batalhas na Grécia antiga for muito grande, gaste seu tempo (re)assistindo a 300, pois é um filme muito melhor e mais honesto.