Um dos mais versáteis de sua geração, Mel Gibson já atuou em mais de 40 filmes, da comédia ao drama, com passagem marcante pelos filmes de ação (dos últimos cinco, quatro foram neste gênero). Seu mais novo trabalho, Herança de Sangue (Blood Father, 2016), produção francesa falada em Inglês, traz elementos de produções anteriores do ator neste gênero e um Gibson envelhecido, fazendo uma personagem condizente com a idade dele próprio, que completou 60 anos em janeiro.
O ator interpreta John Link, um veterano da Guerra do Vietnã, ex-alcóolatra, que está em liberdade condicional após cumprir sete anos de prisão. Sua vida pacata em um parque de trailers californiano muda completamente quando sua filha adolescente, Lydia, interpretada por Erin Moriarty (a filha de Woody Harrelson na primeira temporada de True Detective), o contata pedindo auxílio para fugir de uma quadrilha que a persegue.
A história clichê, da relação pai e filha que se aceitam e se conhecem melhor em um momento de adversidade, já foi revista em outras produções do gênero, como Duro de Matar 5 e Busca Implacável 2. Aqui, a produção fica mais interessante do que as similares graças ao carisma da jovem Erin Moriarty, que traz a carga dramática certa para a delinquente Lydia, e sua dinâmica com o personagem de Gibson, encarnando o homem que sabe de tudo um pouco e que fará de tudo para proteger alguém – neste caso, a filha. Diego Luna, como o desequilibrado chefe da quadrilha, e William H. Macy como o patrocinador de Link nos Alcoólicos Anônimos, também estão muito bem.
Herança de Sangue tem algumas semelhanças com outros filmes de Gibson: há uma paisagem árida, cruel, muito parecida, inclusive, com a dos primeiros Mad Max de George Miller, malfeitores relacionados com o tráfico de drogas, como no ótimo Plano de Fuga (Get the Gringo, 2012), a filha como elemento de ação, como em O Fim da Escuridão (Edge of Darkness, 2010), e uma vingança, como no ótimo O Troco (Payback, 1999). Toda essa semelhança facilita o trabalho de atuação para ele, que parece muito confortável no papel de machão, porém sofrido – além de todo o problema com a filha temos um ex-alcóolatra que, a toda hora, é tentado a beber. Essa ambientação também é ótima para o espectador, que sente já ter assistido a este filme, mas vai até o final.
O trabalho do diretor Jean François-Richet, de Inimigo Público n° 1, e de Assalto à 13 DP, remake de 2005 do clássico de John Carpenter, é conciso (o filme tem 88 minutos), com um ritmo ágil e que entrega bem o que promete. O roteiro, assinado por Peter Graig, dos dois últimos Jogos Vorazes e do ótimo Atração Perigosa, dirigido e estrelado por Ben Affleck, garante que todas as pontas soltas sejam esclarecidas o que, dada a pouca duração da película, facilitou bastante o trabalho de edição. A fotografia, bem trabalhada nas cenas de ação envolvendo perseguições em uma estrada alaranjada pelo deserto ao redor, garante um entrosamento dos cenários com os personagens e sustenta a pegada de filme de fuga misturado com road movie.
No final das contas, Herança de Sangue acaba por ser mais um exemplar divertido da nova safra de filmes de ação rasos, mas com uma história que se sustenta pela credibilidade e carisma dos envolvidos. É uma boa oportunidade de ver Gibson em um papel interessante, mas sem compromisso com a seriedade.