Garota Sombria Caminha Pela Noite apenas parece iraniano
Filha de iranianos, Ana Lily Amirpour nasceu na Inglaterra, mudando-se para os EUA muito jovem. Começou a carreira de cineasta em 2009, dirigindo oito curtas até chegar ao seu primeiro longa em 2014, Garota Sombria Caminha Pela Noite (A Girl Walks Home Alone at Night), que ela mesma escreveu sozinha. Sucesso no Festival de Sundance, o filme vinha sendo comentado como um terror iraniano, algo inusitado na filmografia do país dos aiatolás, com seu cinema mais conhecido por dramas lentos, intimistas e de protesto. Apesar da origem de sua cineasta e do que vemos no pôster e trailers, não é bem assim.
Produzido e rodado nos EUA, porém falado em persa, a trama é ambientada em uma cidade fictícia do Irã, chamada Bad City! Arash (Arash Marandi) é um rapaz comum, que ganha a vida como jardineiro e fazendo pequenos serviços de conserto. Seu pai, Hossein, é um viciado em drogas pesadas que deve dinheiro ao traficante e cafetão Saeed (Dominic Rains), que, ao aparecer para cobrar a dívida, leva como pagamento o carro recém-comprado de Arash. Este incidente faz com que o rapaz, ao tentar recuperar seu automóvel, esbarre na garota sem nome do título (Sheila Vand), que ele nem desconfia ser uma vampira com um senso de justiça particular. Fora o idioma e a ascendência do elenco, todos esses tipos parecem saídos de uma produção norte-americana mais ou menos comum, mudando (pouco) apenas a embalagem.
Exceto pelo elemento sobrenatural, a premissa em si, com seus personagens de moral duvidosa circulando por um submundo fantasioso, já mostra que a diretora/roteirista tem uma queda por Quentin Tarantino, algo que os créditos iniciais e o uso de trilhas de Western Spaghetti, confirmam de forma bem pouco sutil. Isso não seria um problema, caso Ana Lily Amirpour disfarçasse um pouco sua ânsia em criar uma nova coqueluche modernosa para o cinéfilo hipster. Após a primeira meia hora de seus 101 minutos, é como se cada fotograma de Garota Sombria… insistisse em repetir para a plateia: “Veja como eu tenho estilo!”.
Aparentemente, a opção pela fotografia em preto e branco também tem esse objetivo, procurando um ar de nouvelle vague pela aura que ela supostamente pode conferir ao produto final. Além disso, neste quesito, a obra também não chama muita atenção, fazendo sempre o mesmo jogo de profundidade de campo – e sua inversão – nas muitas sequencias em que a vampira é vista de longe. Ainda na questão visual, sobre os longos planos característicos de um cinema alternativo, claro que o filme não hesita em alongar-se entre um corte e outro, deixando a música rolar. Óbvio que isso não é um problema e nem seria incômodo, caso o texto tivesse um pouco mais de substância, mas é muito pouca história para a duração que tem. Irônico que a influência de Tarantino seja tão evidente neste conjunto, já que sua habilidade no roteiro e no diálogo é notável, sem medo de deixar a câmera sossegada quando preciso, mas essa tentativa de emular o estilo parece ter ignorado aquilo que realmente faz dele um bom cineasta.
É evidente que a situação aqui tinha um potencial imenso, afinal, estamos falando de uma vampira em um país onde não é tão fácil encontrar uma cruz, mas nenhum tipo de diferença cultural desta natureza é explorada, fazendo de Garota Sombria… apenas um pastiche e uma ego trip de sua realizadora. Aliás, chegou a ser comparado com o fantástico filme sueco Deixa Ela Entrar, de Tomas Alfredson, também de um país sem tradição de cinematografia vampiresca, mas existe um abismo entre a elegância e complexidade de um e a tentativa de estilização de outro.
Uma personagem interessante
Como sempre existe alguma qualidade, é preciso reconhecer que Sheila Vand, de Argo, faz um bom trabalho como a personagem título. A figura da vampira misteriosa realmente tem um apelo interessante, graças à presença da atriz, que consegue transitar entre o afável e o assustador quando o momento exige. O relacionamento entre ela e Arash até funciona, levando a um fechamento que tem seu mérito. Não rende como poderia, mas talvez seja o melhor aspecto de todo o roteiro, ainda que não seja o bastante para compensar as deficiências, como a prostituta Atti (Mozhan Marnò), personagem inútil no quadro geral.
Garota Sombria Caminha Pela Noite não é indicado aos fãs do terror, já que é pouco gráfico neste sentido e não tenta, de forma alguma, explorar o psicológico. Pode interessar ao público mais curioso, que corre atrás de narrativas bem diferentes dos produtos da grande indústria, mas apenas como aquilo que ele realmente é; uma produção que não chama atenção exatamente por sua qualidade geral, mas por certas peculiaridades do cinema alternativo. Tomara que o futuro profissional de Ana Lily Amirpour traga, pelo menos, uma preocupação maior em – simplesmente – contar uma boa história.