Força Maior começa com uma bela família, pai, mãe e duas crianças, tendo sua foto tirada numa estação de esqui. Eles parecem o retrato de uma família feliz, mas algo nessa cena, talvez a insistência quase agressiva do fotógrafo para tirarem as fotos, talvez um certo descompasso entre o casal, talvez a entrada triunfante e ameaçadora logo em seguida da música de Vivaldi, já nos alerta que há algo de errado nesse cenário aparentemente perfeito, ou ao menos algo de errado se aproximando. A mesma família dorme unida numa cama, todos vestindo roupas quase iguais, mas um barulho insistente, ainda que suave de celular tocando rompe aquela aparente harmonia. A essas, se seguem muitas outras cenas belamente orquestradas que vão sempre mostrar, de maneira sutil, que há algo desconfortável rastejando seu caminho para o meio daquela família.
Aliás, desconforto é a palavra chave nesse ótimo filme sueco dirigido por Ruben Östlund. Tanto para nós, espectadores, quanto para os personagens. Pouquíssimas vezes num filme, isso muito graças às soberbas atuações do elenco, especialmente o casal principal (Johannes Kuhnke e Lisa Loven Kongsli), nos sentimos tão incomodados testemunhando o desconforto e constrangimento alheio. Às vezes, se torna até difícil de assistir, porém, graças ao humor sagaz e a perspicácia do filme, a árdua jornada da família se torna um inteligente e estimulante estudo da moralidade, da relação conjugal, da masculinidade e da psique humana em geral, expondo sem piedade suas fraquezas e contradições, mas sem necessariamente fazer julgamentos. As coisas são como são.
O filme se passa no período de cinco dias, exatamente o tempo de férias daquela abastada família sueca numa estação de esqui nos alpes franceses. Tempo esse que aparentemente Ebba, a esposa da família, exigiu de Tomas, homem bem sucedido, mas sempre ocupado com o trabalho, para que ele desse atenção total à família. Depois de um começo tranquilo e divertido para a família, um evento acaba mudando tudo e destruindo aquela aparente paz. Durante um almoço num restaurante com vista para a montanha coberta de neve, eles vão presenciar uma falsa, mas assustadora avalanche, que vai fazer com que Tomas tome uma atitude que irá desestabilizar toda a família, mas principalmente seu próprio interior. E isso desencadeará uma série de difíceis confrontos familiares e internos, que colocarão em xeque o relacionamento do casal, assim como seus próprios conceitos morais. Mas será que é essa avalanche que ameaça enterrar a família ou ela apenas desenterra problemas que estavam escondidos sobre a superfície?
Ao contrário de Tomas e Ebba, todos os elementos do filme estão afinados e em ordem. A belíssima fotografia capta imagens vigorosas do cenário e dos personagens e cria composições de quadros não só belas, mas cuidadosamente arquitetadas e altamente significativas. Os sons e a música contribuem de maneira efetiva para a narrativa e as atuações, como já dito acima, são irrepreensíveis, não apenas dos protagonistas, mas também das crianças e do casal de amigos.
Vencedor do prêmio do júri na seção Un Certain Regard em Cannes e indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, Força Maior é um filme de fato poderoso que, ao esmiuçar de maneira rigorosa a moralidade de seus personagens, nos faz refletir sobre nossos próprios conceitos. Junto com os ótimos Deixe Ela Entrar e A Caça, mostra ao mundo que há vida pós-Ingmar Bergman no cinema sueco.
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