O filme Una é corajoso pelo tema, mas covarde na conclusão
Temas como pedofilia sempre foram e serão polêmicos. Não há justificativa para um crime como esse, mas o filme Una (Idem, EUA, 2016) tenta um caminho diferente ao procurar mostrar o que poderia acontecer se uma jovem de 14 anos tivesse um caso com um homem com o dobro da sua idade, realmente movido por um sentimento de amor. Pena que tudo se perde no terceiro ato.
O filme conta a história da personagem-título (Rooney Mara, de Carol) que, após 15 anos, se reencontra com Ray (Ben Mendelsohn, de Rogue One), com quem teve um caso durante a adolescência. Como Ray foi condenado por pedofilia – hoje atende com o nome de Peter -, sua vida anterior foi destruída e luta para reconstruí-la trabalhando em uma construtora. Durante esse encontro, os fantasmas do passado vão pairar sobre ambos, que ficaram eternamente marcados com o ocorrido.
Escrito por David Harrower, baseado em sua peça, o texto se mostra muito sofisticado. Ele não esconde suas origens teatrais, deixando vários diálogos, poucos personagens e uma mínima variação de espaço. O texto não se torna óbvio em momento algum e o confronto entre Una e Ray é muito bem feito. O roteiro evita que o espectador sinta algo sobre o acontecimento de primeira, tanto que as informações são dadas pelos personagens pouco a pouco e ele é esperto por não deixar um tom maniqueísta e moralista. Não se esclarece de inicio se Una é apenas uma vítima e se Ray é só um pedófilo, pois há um desenvolvimento na interação entre os dois, mostrando que um relacionamento foi construído. Cada vez que se enfrentam, o espectador percebe que é um caso muito delicado e o roteiro explora isso muito bem durante os dois primeiros atos.
Já no terceiro ato, a conclusão que a história deveria ter se torna decepcionante. Além da situação criada ser desnecessária, ele tenta lançar uma dúvida que é contra o grande argumento do filme. O que deveria se tornar forte, acaba se tornando uma trapaça do roteiro. Outro ponto que o texto erra é na criação de núcleos e personagens que não vão para canto algum e são inúteis na trama principal, como o vivido por Riz Ahmed, que não faz diferença e não tem importância. Percebe-se que isso é para que o filme não soe como um teatro filmado, mas são recursos dispensáveis.
Erros de principiante…
A direção fica por conta de Benedict Andrews, um jovem australiano que veio do teatro e faz sua estreia no cinema. Percebe que o ele tem ideias interessantes, como os movimentos de câmera que abrem o filme e como ele oprime os personagens, deixando-os no canto do quadro e colocando teto nos enquadramentos. Mas falta a Andrews uma melhor noção de montagem, tanto em ritmo quanto em cortes, pois muitos ocorrem em momentos equivocados da narrativa. O cineasta mostra saber dirigir o elenco, mas nunca consegue fazer com que eles cheguem ao seu melhor. O texto dá essa margem, mas a direção não consegue acompanhar. Os erros não mostram incompetência no seu trabalho como diretor, mas ainda denota imaturidade.
Já que o elenco foi mencionado, Ben Mendelsohn e Rooney Mara fazem bem o seu trabalho, mas nada de incrível. Mendelsohn consegue criar camadas para Ray, para entendemos o seu lado sobre o ocorrido. O ator cria um olhar bondoso e carinhoso para Uma e os seus trejeitos são muito sutis, mas – infelizmente – nas cenas que deveriam exigir mais dele, Mendelshohn não se entrega como deveria, parecendo que não consegue mais alcançar aquele tom.
Já Rooney Mara se mostra mais confiante em cena, mas é type casting. Parece com outras personagens que ela já interpretou. De novo é o papel da moça de aparência frágil, mas perturbada, com uma composição muito semelhante a de outros filmes: o olhar vazio; trejeitos corporais frágeis; tom de voz que varia de um momento para outro; etc.. Não que seja um trabalho ruim ou que ela não seja boa atriz, mas é um trabalho repetitivo, sendo que ela já demonstrou que pode ir mais longe, como o já citado Carol e Millenium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres.
Enfim, o filme Una que poderia ser muito melhor. Muitos vão falar que é polêmico pelo tema abordado, mas, infelizmente, a pretensão foi mais alta que a execução, deixando-o como um filme apenas competente.