Com elenco de peso, Tal Mãe, Tal Filha naufraga em fazer rir
Por muito tempo, foi quase um clichê associar cinema francês a filmes de qualidade artística. Efeito daqueles incríveis anos 1960, quando surgiu na França o que provavelmente foi o movimento mais influente da história do cinema: a Nouvelle Vague. Porém, como diria um bom pessimista, o tempo a tudo degenera. No caso do cinema francês, o tempo e a produção em escala industrial. Porque quanto mais se aproxima de Hollywood em seu modelo de fazer filmes em esteira de fábrica, mais cai a qualidade. Tal Mãe, Tal Filha (Telle Mère, Telle Fille) é o mais recente exemplo disso.
Na trama, Mado (Juliette Binoche, de A Vigilante do Amanhã) e Avril (Camille Cottin, de Aliados) são mãe e filha. Enquanto Avril é uma mulher casada, responsável e com uma carreira profissional, Mado, com quase 50 anos, vive como uma adolescente na casa da filha e do genro. Ela não tem emprego, nunca arruma seu quarto, dorme fora sem avisar, faz birra e leva uma vida irresponsável.
A complicação começa quando Avril anuncia que está grávida, gerando uma reação ciumenta da mãe. As coisas ainda pioram quando esta também engravida ao ter uma rápida recaída com o ex-marido, interpretado por Lambert Wilson (de As Confissões).
Embora os primeiros minutos denunciem já na edição uma tentativa forçada e mal sucedida de ser engraçado, logo surge uma esperança de melhora. Trata-se do primeiro encontro na trama de Binoche e Wilson, dois grandes atores que, juntos, acumulam na carreira 15 indicações ao César, o Oscar do cinema francês.
A química entre eles é instantânea, deixando claro o quanto o talento de ambos destoa do resto do elenco. Porém, essa esperança de que possam salvar o filme desaparece à medida que a comédia naufraga terrivelmente, fazendo com que a química inicial se perca no processo.
Sem conjunto e sem timing
Em Tal Mãe, Tal Filha, nada parece funcionar como comédia. Se em muitos bons filmes do gênero as situações artificiais e caricatas servem como base para a graça, aqui elas não vão além do constrangedor. Há um excesso de cenas gratuitas nas quais o que se vê é uma tentativa inútil, desesperada quase, de extrair alguma comicidade tendo como base apenas o carisma de um elenco. E trata-se, reconhecidamente, de um ótimo elenco, mas que muito pouco pode contribuir para um conjunto tão mal arranjado.
Entre os excessos e a falta de dosagem, nada chama mais atenção do que o uso equivocado e irritante da trilha sonora. O tema original, que parece saído de algum programa de TV para público pré-adolescente, é quase onipresente. Ele invade e contamina cenas sem qualquer critério aparente, contribuindo para acentuar a falta de timing da edição.
Essa falta de timing reverbera em quase tudo. Pois se o elenco, mesmo sendo bom, não encontra seu ponto – com Camille Cottin sempre um tom acima do necessário na busca de uma histeria cômica –, a direção de Noémie Saglio muito pouco ajuda.
O exemplo mais gritante dessa deficiência acontece na cena em que a Avril vai receber a notícia da gravidez da mãe. De tantas maneiras que esse momento poderia ser filmado para criar uma reação cômica, a diretora preferiu filmá-lo em um plano médio, distante, desperdiçando qualquer chance de expressividade cômica de seus atores. E isso, como pode-se imaginar, em um ponto de virada da trama, o que merecia atenção especial da direção e da edição. Esses e outros equívocos se arrastam até o desfecho, quando o filme parece não saber como terminar.
O resultado é uma comédia desinteressante e sem graça que, além de tudo, perde a chance de debater com leveza e graça tabus como a gravidez tardia e outros temas polêmicos levantados pelos personagens, mas nunca desenvolvidos adequadamente. Assim, Tal Mãe, Tal Filha figura como mais uma produção francesa dispensável e estéril, que desperdiça muito elenco em muito pouca comédia.