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Soundtrack – O som como sentimento!

Soundtrack se destaca como estudo de personagem

A dupla de cineastas 300ml (nome artístico de Manitou Felipe e Bernardo Dutra) lançou em 2006 o curta Tarantino’s Mind, onde Seu Jorge e Selton Mello falam sobre o universo dos filmes do diretor em questão. É um ótimo trabalho, mostrando que já sabiam desenvolver personagens e escrever bons diálogos, além de envolver o espectador com apenas dois atores em cena. Onze anos depois do sucesso no mercado publicitário, eles lançam seu primeiro longa-metragem: Soundtrack. Mesmo sendo uma estreia com alguns erros típicos de primeiro filme, o resultado é positivo.

(Curte o Cinema Nacional? Assista a esse Formiga na Tela e confira a crítica do lançamento Os Pobres Diabos)

Crítica do filme Soundtrack

Soundtrack

O longa conta a história do brasileiro Cris (Selton Mello), um fotógrafo que tem como projeto artístico para a sua próxima exposição tirar fotos de si mesmo na neve, mostrando o isolamento do ser humano. Para isso, ele viaja até o Alasca e fica em uma estação onde cientistas estudam o clima. Cris divide o alojamento com Mark (Ralph Ineson), o líder da equipe que, no inicio, não simpatiza com o brasileiro. Mas, pouco a pouco, surge um respeito mútuo entre os membros da equipe e o fotógrafo, que vão entendendo como cada um tem uma diferente missão para a humanidade: Cris com a sua arte e Mark e os outros com a sua ciência.

Os personagens do longa são envolventes e bem desenvolvidos. Por mais que o foco seja Cris e Mark, os outros têm suas funções e as desenvolvem muito bem. O destaque fica por conta do carismático Seu Jorge, que, além de servir como a balança do grupo, se mostra um bom alívio cômico em momentos pontuais. Como a proposta é ser um estudo de personagem, mas enfocando as reações do grupo, Soundtrack se sai muito bem nesse quesito. Entendemos a raiva e as frustrações dos personagens, sem que sejam levados para um julgamento rápido do tipo: “ele é assim porque é um idiota”. Durante toda a projeção há justificativas para o porquê das atitudes destas pessoas.

Nesse ponto, Mark se mostra o mais bem escrito. Por mais que suas ações soem grosseiras, entendemos seus motivos e ele logo as contrapõe com algum gesto que o redime. É um personagem muito interessante, até mais que Cris, que, por ser um sujeito mais introspectivo, nunca ficam claros os verdadeiros motivos de suas ações, principalmente sobre seu projeto artístico. É um desenvolvimento que chama atenção.

Crítica do filme Soundtrack

Selton Mello faz uma composição bem diferente das que estamos acostumados a ver. Ao invés de ser um personagem expansivo e com um grande senso de humor, Cris é o que foi descrito há pouco: é um sujeito introspectivo. O pouco que sabemos sobre os seus sentimentos é desenvolvido durante os ensaios fotográficos, os quais Mello expõe as tristezas de seu personagem. Mas o grande destaque de Soundtrack em termos de atuações é o excelente Ralph Ineson. Além de contar com um personagem muito bem escrito, a atuação de Ineson se destaca pelo olhar muito expressivo do ator, que consegue transmitir todo o seu sentimento e ainda conta com boa presença de cena. O restante do elenco também mostra uma excelente química entre si.

Imagem + Som = Audiovisual!

A direção de 300ml se destaca por deixar o longa sensorial de maneira diegética. Explico: umas das características do novo trabalho de Cris é mostrar a foto com uma trilha sonora de fundo, para que haja um sentimento a mais ao ver a imagem. As músicas são instrumentais e abstratas, criando uma mensagem no meio daquele local inóspito. A trilha aparece nos momentos em que alguma música é tocada no iPod de Cris. Elas são pontuais e até ajudam os personagens a se encontrarem. Além da seleção ser ótima, ela não é óbvia. O espectador entra na viagem dada pela música do filme junto com os personagens.

Outro ponto que funciona é como as músicas servem de contraste com a realidade. Várias vezes ocorre um corte seco entre um close, mostrando o personagem ouvindo a música e sentindo algo, para um plano aberto que mostra a solidão daquela região e da situação dos cientistas  que precisam lutar pela sua sobrevivência. E o som dessas cenas quase sempre vem do vento forte ou do quebra gelo que fica perto da estação. É um trabalho muito eficiente de imagem (tanto a fotografia quanto a direção de arte salientam o isolamento) e do som (além da trilha, o trabalho de mixagem e de edição são ótimos).

Crítica do filme Soundtrack

A direção da dupla se mostra bem segura, mas comete alguns equívocos que são comuns em filmes de iniciantes, indicando que os cineastas ainda não tem um domínio pleno da linguagem. O filme mostra algumas ideias que não funcionam, como um exagero aqui e ali na movimentação da câmera, comprometendo o sentimento que permeia boa parte da obra. Durante a metade do segundo ato, parece que ele não sabe mais como dar sua mensagem, quase caindo na vala do chato e irrelevante. Além disso, existem, pelo menos, três conclusões da história. Nada que destrua a experiência ou que mostre incompetência. Repito: são erros comuns de cineasta iniciante.

Dito isso, Soundtrack se mostra uma boa surpresa para o cinema nacional. É um filme diferente, que mostra que 300ml é uma dupla que merece ser observada. É bem feito, bonito, sensorial e sensível. Uma das grandes surpresas do ano.

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