O Insulto traz questões de ódio social com base em ideologias políticas
Hoje em dia, qualquer questão trivial pode tomar proporções homéricas em tempos de conflitos políticos. Adaptando confrontos históricos com base em situações que causam ódio e repulsa entre causas sociais, o filme O Insulto (L’Insulte), de Ziad Doueiri (que foi assistente de câmera nos primeiros filmes de Quentin Tarantino), reflete questões do Oriente Médio através do equilíbrio narrativo entre pontos de vista diferentes, propondo um drama nos tribunais que atrai seu espectador por colocá-lo na condição de juiz de um caso entre um cristão e um palestino.
Tendo como premissa um desentendimento simples e estúpido, a história trata das profundas e históricas tensões políticas (extremas) entre movimentos de direita e esquerda árabes, ainda que nos seja dito no primeiro letreiro da obra – até mesmo como uma forma de não ser vinculada a nenhum dos lados – que esta não reflete fielmente a realidade política encontrada no território do Líbano.
Nesse aspecto, um mérito do roteiro é observar sua construção de fatos de maneira equilibrada na abordagem dos pontos de vista. Nestes, somos direcionados a momentos de tensão e drama vividos de maneira intensa por parte dos dois protagonistas da história: o cristão Tony Hanna (Adel Karam) e o palestino Yasser Salameh (Kamel El Basha), mas sempre de maneira equivalente e relacionada com a briga judicial que mantém a narrativa.
Dessa forma, o filme explora de maneira veemente como as ideologias políticas interferem não apenas na trajetória de vida dos personagens, mas igualmente na forma como eles observam e reobservam o mundo à sua volta após situações traumáticas. O drama da obra é sustentado pelo sofrimento de pessoas que não escolheram lados políticos, mas conduzidos a fazer parte de um grupo social específico, por conta das ações de grupos extremistas – algo trágico e que reflete na realidade de inúmeros povos árabes.
Como resposta, a partir do ódio político e de questões extremistas, é interessante observar como que um simples processo de um cristão contra um palestino toma dimensões gigantescas após um fato corriqueiro. Isso faz com que os dois opositores sejam expostos, mas principalmente que as heranças históricas de cada povo sejam divulgadas – ideias muito bem inseridas no roteiro e que enaltecem a trama.
Com a profundidade na história, podemos elogiar o roteiro por permitir que o público compreenda a narrativa por meio das opiniões e argumentos mostrados a favor do cristão ou do palestino. Além disso, a dualidade das situações, que ajuda no desenvolvimento da história, nota-se também pela interpretação dos atores e pelo audiovisual da obra.
Razões e Emoções exploradas pelas Técnicas
Forma e conteúdo são aspectos importantes em qualquer meio artístico, e podemos dizer que as técnicas cinematográficas em O Insulto refletem o que o roteiro menciona e traz como mensagem ao espectador.
Uma delas nota-se pelo uso da câmera na linguagem. Alternando muito bem entre os diversos recursos possibilitados pelo uso do aparelho, como: enquadramento, movimentação – com auxílio de dispositivos como dolly cam e travelling –, e com destaque especial ao ângulo de visão empregado durante as cenas, vemos uma linguagem que acompanha a tensão dramática presente na vida particular de Tony ou Yasser.
O destaque no ângulo de câmera e posicionamento da mesma também traduz os sentimentos e visões internas dos personagens nas sessões dos tribunais, ainda que nestas estejam com detalhes técnicos mais pontuais. Nesse aspecto, enxergamos como as situações do julgamento interferem na própria observação de ambos sobre suas trajetórias de vida, assim como seus conflitos internos na narrativa. Como complemento, através do uso da trilha sonora e do silêncio (principalmente) compreendemos o trabalho emotivo posto na obra.
O uso inteligente da música se dá pelo cuidado com o conjunto artístico, ou seja, pela observação do roteiro em não tentar direcionar o espectador a tomar partido de nenhuma das partes na causa judicial. A trilha ajuda o público a compreender o drama passado tanto pelo réu quanto pelo reclamante, isto em cenas da vida de ambos trabalhadas com o mesmo peso emotivo, mostrando o quanto os dois sofrem através do conflito pela lei. De outra forma, o silêncio, percebido nas cenas dos tribunais, contribui à atenção do espectador com os debates histórico-sociais que interferiram no convívio dos personagens.
Esse mesmo tipo de trabalho está presente na interpretação dos atores Adel Karam (Tony) e Kamel El Basha (Yasser). Ambos são vistos como homens frios e contidos… Durante o tribunal, pois quando os enxergamos nos seus ambientes familiares, nos transparecem duas vítimas políticas que continuam suas lutas sociais por si próprias, sem confronto direto com o lado oposto.
No tribunal, Karam e El Basha nos surpreendem pela ação interna, transmitida unicamente pelo olhar de ambos nessas cenas. A discussão acalorada diante da juíza aparece na interpretação de Camille Salameh (Wajdi) e Diamand Bou Abboud (Nadine), advogados de Tony e Yasser, contribuindo de maneira intensa aos diálogos e conflitos políticos que originaram o confronto de seus clientes.
As técnicas no geral, portanto, permitem que o espectador também encontre-se dividido entre as motivações dos personagens, o que faz a história crescer do seu ponto de vista reflexivo, social e político.
E assim, proporcionando fortes reviravoltas no enredo e referindo-se às heranças de guerra árabes, O Insulto é um filme que mostra respostas emotivas devido a embates políticos e religiosos, sendo um de seus valores simbólicos esclarecer o perigo do ódios político numa sociedade como um todo. Um problema tão grande quanto as diferenças de interpretação, causando não conflitos, mas confrontos de ideologias.