A Guerra dos Sexos narra os bastidores de uma das partidas de tênis mais famosas da história
A Guerra Dos Sexos (Battle Of The Sexes) é um daqueles filmes que sofrem em razão de sua proposta: contar fielmente uma história real. Nem sempre um acontecimento verídico possui o conteúdo necessário para se transformar em um drama capaz de atrair a atenção do espectador. Às vezes, o desenrolar de um evento histórico importante pode ser extremamente objetivo, protagonizado por sujeitos surpreendentemente caricatos e desprovido de reviravoltas e complexidades comportamentais. Para que essas coisas não atuem negativamente na construção de uma obra, é necessário que os realizadores tenham a coragem de sacrificar a veracidade em prol da narrativa (a tal da liberdade poética).
Infelizmente, o roteirista Simon Beaufoy e o casal de diretores Jonathan Dayton e Valeria Faris (estes últimos foram os responsáveis pelo sucesso indie Pequena Miss Sunshine), ao narrarem os bastidores da histórica partida de tênis entre Bobby Riggs (Steve Carell, visto recentemente em Café Society) e Billie Jean King (Emma Stone, recém-advinda de La La Land – Cantando Estações) e luta desta última contra o machismo da época, realizaram um filme cuja história poderia ser retratada com muito mais vivacidade e impacto em um documentário televisivo ou uma extensa matéria jornalística.
Evidente desde o início, essa precisão histórica desnecessária pode ser detectada logo no início, quando boa parte dos dois primeiros atos é empregada para mostrar o surgimento de uma liga formada e praticada apenas por mulheres. Obviamente importante dos pontos de vista cultural, social e político – afinal de contas, foi uma das maiores conquistas do movimento feminista da década de 1970 -, narrativamente, esse episódio contribui pouco para a trama. É sabido que ele serve para estabelecer os personagens e o contexto histórico, mas isso também poderia ser obtido de uma maneira cinematograficamente mais efetiva e atraente (como dedicando tempo ao interior de cada um, por exemplo).
A mesma coisa vale para o arco dramático da protagonista, a caracterização de Bobby Riggs e o dilema moral que habita o coração do triângulo amoroso formado por Billie Jean, a sua amante Marilyn Barnett (Andrea Riseborough) e seu marido Larry King (Austin Stowell). O primeiro desses aspectos trai a principal regra dos filmes esportivos: a trajetória de superação. Esta se dá pessoal e politicamente, mas nunca atleticamente. Isso não seria um problema caso o terceiro ato se dedicasse a algo além da partida (esta, ao mesmo tempo que vira um símbolo, perde a concretude). Previsível – mesmo quem não conhece a história descobrirá facilmente o nome do vencedor -, o embate entre os dois é, em sua essência, anti-climático e desinteressante, uma vez que testemunhamos uma tenista jovem e campeã competindo com um homem de meia-idade e consideravelmente acima do peso!
Já o segundo, embora seja condizente com a imagem real de Riggs (ao que tudo indica, o sujeito era mesmo uma figura circense), não permite uma leitura mais aprofundada do homem. Tudo o que sabemos dele são informações apresentadas vagamente, as quais, após serem reunidas, ainda assim não compõem um retrato humano e complexo (um problema potencializado pela atuação exagerada de Carell). Alguém poderia dizer que essa superficialidade tem a ver com o tom de comédia, porém, é vital dizer que o humor é apenas uma carcaça que o filme veste. No fundo, o que realmente está em jogo (com o perdão do trocadilho) é o drama da situação.
Por fim, o terceiro aspecto é um falso conflito, já que Larry aceita rapidamente a homossexualidade de sua esposa e esta nunca mostra sentir um forte peso na consciência ou culpa por ter traído o fiel parceiro. Em comum, essas três características negativas (sempre da perspectiva da narrativa) compartilham um objetivo ideológico que ultrapassa qualquer mérito artístico e se aproxima perigosamente do discurso político. Retire a sua mensagem (que pode ser resumida em um slogan ou ouvida diariamente em um telejornal) e o que resta é um filme sem conteúdo ou qualidade estética (a fotografia granulada, recriando o visual da Nova Hollywood, e momentos esporádicos, como a interação inicial entre Billie Jean e Marilyn, são exceções raras).
Cinema político não é propaganda
Deste modo, Guerra dos Sexos é um amontado de escolhas equivocadas, que vão desde a ideia de adaptar precisamente uma situação cuja relevância histórica é inversamente proporcional à sua pobreza dramática, até o emprego de sua temática para atingir objetivos estritamente propagandísticos. Certa vez, o cineasta Paul Vecchiali fez a seguinte afirmação sobre o longa Corrida Sem Fim, de Monte Hellman: “Filme sem propaganda, filme de pura informação, ele me parece o mais perfeito exemplo daquilo que deveria ser o filme político”. Não é preciso ir muito longe para ver que a produção de Dayton e Faris é o exato oposto disso.