Frantz é a grande obra-prima de François Ozon
Na carreira de quase todos os grandes diretores, há um momento em que as experimentações com a linguagem cessam, as temáticas preferidas deixam de ser diamantes brutos para se tornarem lapidados e, na culminância desses dois fatores, surge um obra cinematográfica pronta para elevar o cineasta a um novo patamar artístico. Em outras palavras, é o instante em que um sujeito está maduro na sua vida pessoal e isso acaba se refletindo nas suas realizações profissionais. Com o diretor François Ozon, esse momento acabou de chegar. No alto dos seus 49 anos de idade, o cineasta francês nos entrega a sua grande obra-prima até o momento: o longa Frantz (Idem).
Roteirizado por Philippe Piazzo e pelo próprio diretor, o filme, que é baseado na peça de Maurice Rostand e na adaptação cinematográfica feita por Ernst Lubitsch em 1932, tem como protagonista a viúva Anna (Paula Beer). Depois de ter perdido o noivo na Primeira Guerra Mundial, ela e o seus sogros, Hans e Magda Hoffmeister (Ernst Stöntzer e Marie Gruber, respectivamente), tentam superar o trauma e viver normalmente. No entanto, os seus planos são abalados quando surge Adrien Rivoire (Pierre Niney), um ex combatente francês que afirma ter sido amigo do falecido.
Em essência, mais do que sobre a guerra e as terríveis consequências que recaem sobre a vida daqueles que dela foram vítimas, Frantz é sobre o passado e a irredutibilidade que o acompanha. Como diz Olavo de Carvalho no final de O Jardim das Aflições: “uma vez que um acontecimento entrou na esfera do ser, ele não pode mais deixar de existir”. Ou seja, o tempo é definitivo e o que aconteceu no passado lá permanecerá, pesando para sempre no presente. Na vida de cada um de nós, é justamente essa inflexibilidade do tempo que, às vezes, interrompe o desenvolvimento natural de nossas respectivas biografias.
E com os personagens do novo longa de Ozon, as coisas não são diferentes. Vivendo numa época em que a própria Alemanha não seguia em frente em razão de humilhações pretéritas, todos os personagens se veem numa situação parecida, na qual o tempo decorrido escorre no hoje. Aos olhos de Anna, a protagonista do filme, o presente é triste e o passado, alegre. E como o seu olhar também é o do espectador, essa visão se reflete na magistral fotografia de Pascal Marti: as cenas que se desenrolam no momento atual são filmadas em preto e branco, e os breves instantes em que ela imagina os dias de seu noivo antes de ir para a guerra, em cores.
Porém, se o tempo é irredutível, a linguagem cinematográfica não precisa ser. Assim, Ozon e o seu diretor de fotografia não se prendem a essa concepção visual. Associando o preto e branco à tristeza e as cores à felicidade, sempre que há um vislumbre de alegria no presente dos personagens, as tonalidades vivas surgem, escanteando completamente os tons cinzentos e sem vida. Os momentos em que isso acontece são capazes de alegrar até os corações mais endurecidos. São transições sutis e quase imperceptíveis, como o momento em que Anna e Adrien saem de uma caverna ou o instante no qual, depois de Hans e Magda ouvirem as apalavras acalentadoras de uma carta, a câmera focaliza as teclas de um piano e, do preto e branco das teclas, surgem as cores, como se cada letra das frases fosse música aos ouvidos dos personagens.
Cinema clássico, você fez falta!
Para acompanhar todas essas sutilezas visuais, o restante da linguagem precisava também ser condizente com o filme. Afinal de contas, para uma narrativa clássica, como a de Frantz, era necessário uma abordagem clássica. Certa vez, James Gray, o diretor do soberbo Z – A Cidade Perdida, disse que o tipo de Cinema que mais o agradava era aquele que juntava a essa narrativa clássica alguns elementos subversivos. Assistindo ao filme de Ozon, a impressão é de que o cineasta compartilha da mesma opinião. Pois, além da já mencionada “brincadeira” com a fotografia, ele também investe numa composição estilística mais tradicional.
Acompanhando as andanças de Anna de uma maneira que hipnotiza o espectador (a última lembrança que tenho de um diretor captar tão perfeitamente o andar de uma atriz é de Louis Malle filmando Jeanne Moreau), Ozon trabalha, na maior parte do tempo, com enquadramentos precisos e travelling sutis. Ele acompanha os percalços dos personagens de um jeito apaixonante, através do qual a vida interior de cada um deles duela entre o desejo e a incapacidade de esquecer. Pelo jeito, para o diretor, o afã de desprezar nada mais é do que a inabilidade de deixar o passado para trás.
Finalizando com um cena otimista e comovente, Frantz é o filme com o qual François Ozon, finalmente, sai daquela seara dos cineastas que tem potencial e se consolida como um grande nome. Demorou, mas aconteceu. É cedo para dizer se a abordagem usada por ele neste filme se deu somente por causa da história que estava contando ou se é um estilo que ele adotará pelos anos futuros. No caso de a primeira opção ser a verdadeira, temos de lamentar, pois, aqui, ele atingiu o ponto exato objetivado por todos os bons cineastas. Na hipótese de que a segunda opção se mostre correta, tudo o que podemos fazer é celebrar: mais um nome será adicionado à lista dos grandes cineastas.