Com Bom Comportamento, dupla de diretores leva ao grande público seu talento underground
No cinema contemporâneo, algumas parcerias entre irmãos na direção de filmes tem presenteado o mundo com obras de grande qualidade e beleza. Como exemplos, podemos citar os belgas Dardenne (Luc e Jean-Pierre), os italianos Taviani (Paolo e Vittorio) e os norte-americanos Coen (Ethan e Joel). É nessa mesma categoria que prometem se estabelecer os ainda pouco conhecidos irmãos Josh e Benny Safdie.
Há pelo menos 15 anos, a dupla vem realizando nas ruas de Nova York o que se pode chamar de cinema de guerrilha. São longas e curtas-metragens de baixo orçamento que acabaram chamando a atenção de gente grande de festivais. Foi assim que o filme The Pleasure of Being Robbed, de 2008, chegou a Cannes em uma das mostras paralelas. E foi assim que Bom Comportamento (Good Time) chegou ao festival neste ano, disputando a Palma de Ouro e levando o prêmio de melhor trilha sonora.
Neste filme, pela primeira vez contando com atores conhecidos, os irmãos Safdie jogam o espectador em uma corrida contra o tempo. Depois de arrancar o irmão Nick (interpretado por um dos diretores, Benny Safdie) de uma sessão de terapia, Connie (Robert Pattinson) o arrasta para um assalto a banco. As coisas dão errado. Nick, que sofre de deficiência intelectual, é preso. Connie passa então a buscar, desesperadamente, meios para tirá-lo da prisão.
Domínio da narrativa
Ritmo e interpretação é o que se destacam de imediato em Bom Comportamento. Com uma edição ágil e equilibrada, que nunca apela para o frenético, os diretores demonstram um afinado domínio do tempo da narrativa. Isso permite respiros entre os quais se pode compreender melhor as sutilezas de seu roteiro enxuto e revestido de complexidades sutis. Qualidades que ganham ainda mais contornos nas atuações de um elenco impecável.
Robert Pattinson é o feliz caso do ator que se livrou do estigma que marcou o início de sua notoriedade: a fraca (mas muito bem-sucedida) franquia de filmes Crepúsculo. Seu potencial de atuação começa a ser vislumbrado em Cosmópolis (idem), de David Cronenberg, e se consolida no excelente The Rover – A Caçada (The Rover), de David Michôd. Agora, reafirma sua capacidade de dar a medida certa a um personagem intenso e desajustado.
Na composição desse universo estranho e fracassado no qual transita Connie, a pequena participação de Jennifer Jason Leigh (de Os Oito Odiados) é fundamental. Ela encarna a namorada da qual o protagonista tenta se aproveitar pedindo dinheiro. Mas é seu desequilíbrio emocional, especialmente em relação à mãe endinheirada, que torna sua atuação marcante e contribui para a construção da atmosfera quase insólita do filme.
Mas nem tudo funciona redondo no desenvolvimento dessa trama. Há, pelo menos, dois pontos que ficam difíceis de engolir. Ao longo da história, Connie se mostra um sujeito inventivo e de raciocínio rápido. Porém, é incrível como não percebe a obviedade do que vai acontecer logo após o assalto, no início do filme. Mais adiante, é o roteiro que abusa da crença na sorte do personagem durante uma tentativa de fuga na qual ele quase não encontra obstáculos.
Essas falhas, entretanto, se mostram pequenas diante das qualidades do filme. Dentro de sua estrutura, na qual uma avalanche de coisas acontecem no espaço de praticamente apenas uma noite, Bom Comportamento demonstra uma surpreendente sensibilidade para desenvolver camadas de forma sutil e, ao mesmo tempo, contundente.
A criminalidade de seus personagens, por exemplo, se contextualiza no drama familiar da pobreza. É dentro dela que, não raramente, se desestruturam laços afetivos à mesma medida em que se reforçam. Essa é uma construção dramática intensa e complexa que está presente no desespero de Connie e que reflete seu sentimento de culpa e afeto pelo irmão.
Esse universo de seres desajustados parece permear o cinema dos Safdie, o que já se assume como uma assinatura e um tema recorrente. Com Bom Comportamento, eles chegam ao grande público demonstrando talento, habilidade e, acima de tudo, personalidade. Realizaram um filme eletrizante, intenso e dinâmico, dentro do qual é possível ainda extrair e compreender os afetos desencontrados de seus personagens. Marcados pela marginalidade, habitam um mundo estranho, melancólico e de poucas esperanças.