A Autópsia é um terror com um bom ponto de partida
Assistir a um filme que desperdiça o seu potencial sempre é uma experiência desagradável. Se envolver com uma história e ficar surpreso com a novidade daquilo que está assistindo para depois, simplesmente, ter de ver tudo o que tinha sido, até então, bem construído ser abandonado é duro. Perceber que os realizadores trocaram os elementos que eram particulares da obra por outros genéricos, além de idênticos aos de outros filmes, nunca resulta numa sensação de completude ou satisfação. É muito provável que seja justamente essa sensação incompleta que irá acompanhar o espectador durante a sessão de A Autópsia (The Autopsy Of Jane Doe).
A trama do filme, que foi roteirizada por Ian B. Goldberg e Richard Naing (ambos são oriundos da televisão e aqui fazem a sua estreia em longas metragens), conta a história de Tommy (Brian Cox) e Austin (Emile Hirsch), pai e filho respectivamente e donos de uma funerária em uma cidade pequena do estado de Virgínia. Minutos antes do fim do expediente, eles recebem o corpo de uma garota que estava enterrada no subsolo de uma casa em que mais três pessoas haviam acabado de ser mortas. Enquanto realizam a autópsia, eventos estranhos começam a acontecer.
A Autópsia é um filme de terror com um bom ponto de partida. Exames cadavéricos são, em si mesmos, assustadores, e a profissão de técnico em necrópsia é uma das que mais atraem um tipo de curiosidade mórbida. Aliás, é estranho que exista um número tão pequeno de filmes que exploram essa fonte natural de terror. Em certo sentido, somente a ideia de abordar as apreensões que acompanham a profissão já é suficiente para transformar o filme do diretor norueguês André Øvredal em uma obra original, mas a produção também consegue se sustentar no primeiro ato graças à competente construção do suspense.
Apesar de jump scares e clichês típicos de obras de horror (e que se repetem por toda a narrativa), como a presença de um gato que surge em momentos inoportunos e logo depois é encontrado morto, luzes acendendo e apagando, a frequência do rádio sofrendo interferências e uma forte tempestade que inutiliza qualquer forma de comunicação, isolando os personagens em um único lugar, os minutos iniciais funcionam, muito em decorrência da longa atenção que é dada às descobertas feitas por Tommy e Austin durante a autópsia.
Como a parte externa do corpo está estranhamente intacta enquanto os órgãos internos indicam terem sido torturados e queimados, cada uma das “estranhezas” reveladas ao público ao longo da necrópsia é uma constante fonte de inquietação. Nesse primeiro ato, a imaginação alça vôos altos e uma gama de possibilidades começa a ser desenhada pela mente do espectador. A montagem de Peter Gvozdas e Patrick Larsgaard, ao alternar os planos que mostram as ações cirúrgicas com close ups do rosto da garota (dando a impressão de que ela se mexerá a qualquer instante) é essencial para a eficácia desses primeiros minutos.
O trabalho dos dois montadores também se destaca no momento de transição do primeiro para o segundo ato, quando os cortes frenéticos (mostrando tudo o que está acontecendo no ambiente) e a trilha sonora de Danny Bensi e Saunder Juriaans se unem numa espécie de crescendo musical e cinematográfico que culmina na revelação da verdadeira natureza da ameaça que os dois personagens principais estão enfrentando. O instante é impactante e tecnicamente bem executado. Infelizmente, daí em diante o filme abandona as características que o definiam e passa a caminhar por uma via ordinária.
Uma história desenvolvida banalmente
Sem saber o que fazer com a história que conceberam, os roteiristas decidiram por solucionar o mistério banalmente. Trocaram o suspense inicial que fora cuidadosamente construído por uma longa sequência na qual pai e filho fogem constantemente de algo ou alguém desconhecido. Recentemente, a mesma coisa aconteceu com o filme O Homem Nas Trevas: um ponto de partida original e narrativamente desafiador é desperdiçado, dando lugar a uma genérica perseguição na qual a figura ameaçadora tortura psicologicamente os seus adversários sem que haja um motivo para que isso aconteça (o filme busca explicar essa demora para abater as vítimas, mas o motivo não é suficiente para justificá-la).
A dupla de roteiristas até tenta trazer para a trama alguns conceitos diferentes envolvendo um evento histórico ocorrido séculos atrás, mas a forma como Tommy e Austin ligam os pontos e compreendem o panorama geral é muito forçado. A velocidade com que eles descobrem as coisas é deveras inverossímil. Além disso, Goldberg e Naing querem dar uma dimensão emocional maior aos dois personagens principais, mas essa tentativa sempre acaba resultando em momentos expositivos (é difícil de acreditar que, na situação em que se encontravam, eles usariam um raro instante de descanso para expor arrependimentos do passado) e completamente descabidos (o último instante em que namorada do personagem interpretado por Emile Hirsch aparece).
Terminando com uma cena que deixa as portas abertas para uma possível sequência, A Autópsia começa ousadamente, como se fosse mais um filme de terror a acompanhar os sucessos recentes de A Bruxa e Invocação do Mal e sua continuação , mas, na hora de decidir qual caminho seria seguido, optou pela vereda do comum, se aproximando, no processo, muito mais de desastres como Dominação e O Chamado 3 do que dos outros filmes mencionados.