Eu, Tonya se mostra uma tragicomédia muito eficiente
Em 1994, a patinadora Tonya Harding – uma das melhores do mundo, por ser a primeira americana a fazer um movimento dado como impossível – foi envolvida em um incidente. Nancy Carrigan, patinadora tão boa quanto Harding, sofre um ataque no qual sua perna é quebrada. Foi um dos maiores escândalos da história do esporte, pois tudo indicava que o autor do atentado era o então marido de Tonya, Jeff Gillooly. É uma história forte, assim como a vida da própria protagonista, cheia de tristeza e sofrimento. Apesar disso, Eu, Tonya (I, Tonya) mostra que, em seus detalhes, ela é inacreditável ao ponto de ser uma comédia. É isso que o longa entrega: uma divertidíssima tragicomédia.
São cobertos vinte anos da vida de Tonya (Margott Robbie, de Esquadrão Suicida), que desde a infância se mostrava uma patinadora com talento genuíno, mas sofria com constantes abusos físicos e psicológicos. A maioria vinha da sua mãe megera, LaVona (Allison Janney), que sempre a maltratou de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Não melhorou muito após conhecer Jeff (Sebastian Stan, de Capitão América: Guerra Civil), que se mostra uma pessoa abusiva e muito violenta.
Como um filme com essa sinopse pode ser engraçado? O roteiro de Steven Rogers se mostra muito inteligente por utilizar uma estrutura de entrevistas. Desde o começo vemos os personagens falando para a câmera e dando as suas versões da história. Mas, como os personagens se mostram de caráter duvidoso, o mais confiável se mostra o repórter vivido por Bobby Cannavale, que realmente dá os fatos ao longo do caso.
Mas a maioria dos personagens que passam pela vida da protagonista ficam entre as seguintes probabilidades: canalhas, estúpidos ou os dois. Por isso, em uma altura do campeonato – mais especificamente nos detalhes do incidente – a história fica quase inverossímil, pela quantidade de idiotas em um plano absurdo como esse. Isso temperado com um humor ácido e agressivo dá origem a uma mistura que funciona bem.
O filme é muito consciente de sua história, emulando o estilo de Martin Scorsese, como já foi visto em Feito na América. O diretor Craig Gillespie (de Horas Decisivas) utiliza as mesmas técnicas do veterano diretor: movimentos de câmera rápidos, uso pontual de musicas famosas para falar do sentimento da cena, quebras de quarta paredes no meio da cena, etc… Importante frisar que o longa não está preocupado em ser visualmente bonito, sendo que Gillespe e o diretor de fotografia Nicolas Karakatsanis tentam, no máximo, fazer com que o filme pareça realmente feito no final dos anos 1980, com o uso da película, das luzes e das mudanças em razão de aspecto.
Isso tudo torna Eu, Tonya um exercício muito interessante, só que nem tudo são flores no trabalho de Gillespe, que em certos momentos banaliza a quebra da quarta parede usando o recurso em excesso. Explicando: além das entrevistas que os personagens olham diretamente para a câmera, eles fazem também no meio de outras cenas. Exemplo: há um off de Tonya falando sobre como Jeff batia dela. Após mostrá-lo batendo mesmo, ela olha para a câmera e completa que ele não parou. É um truque bem legal que dá dinamismo para o filme, mas cansa porque uma hora você só se pergunta quando o personagem vai olhar para a câmera e falar algo.
Outro problema são as sequencias de Tonya patinando, estranhas por deixar óbvio o uso de efeitos especiais. Percebe-se que o publico é inserido em um grande fundo verde (até perdoável, se pensarmos que simboliza que aquele era o mundo da protagonista). Mas seus movimentos também são comprometidos, às vezes rápidos demais, ou deixando a plateia perceber que só a cabeça da atriz é real. São boas sequencias de uma forma geral, mas muito comprometidas por essa má utilização dos recursos digitais.
Atuações – Nota: 10
O que realmente leva o longa são as atuações. Todo elenco está impecável e o visual dos personagens confere verossimilhança, além de mostrar um ótimo trabalho de maquiagem. Quem reclama da inexpressividade de Sebastian Stan nos filmes da Marvel pode ver o ator mais solto, ao ponto de até conseguir criar uma ambiguidade com Jeff. Mesmo violento e pouco inteligente, mostra que realmente sente algo por Tonya. Aliás, outro ponto que merece destaque no roteiro é que os personagens não são unidimensionais, presentes ali apenas para dificultar a vida da protagonista.
Além de Jeff, o mesmo pode ser dito de LaVona, que mesmo sendo alguém que nos dá vontade de quebrar seus dentes, mostra alguma preocupação com a filha, por sempre inspirá-la a ser forte e assistir a todas as suas apresentações. Não que isso sirva para redimi-la, pois a composição da excelente Allison Janey evidencia os abusos que vão ficando cada vez mais violentos.
E dito isso chegamos a Margot Robbie, também produtora do filme. Particularmente, gosto do trabalho dela. Não é uma atriz fenomenal, mas a moça tem carisma e presença. Ainda não tínhamos visto um trabalho que realmente exigia dela para que tivéssemos a certeza de suas qualidades dramáticas. Em Eu, Tonya ela mostra que pode voar alto, mostrando-se aberta a personagem e saindo-se bem nas cenas dramáticas. Consegue enfatizar características fortes da personagem, como a personalidade birrenta de Harding. É um belo trabalho, que realmente confirma suas qualidades como atriz.
Eu, Tonya, no final, se mostra um filme muito acima da média. Conta uma história interessante, é uma boa emulação do estilo Scorsese e traz excelentes interpretações. Que Margot Robbie tenha mais trabalhos como esses para mostrar que não é apenas um rostinho bonito, mas uma atriz de futuro.