Estrelas Além do Tempo e o potencial de sua história
Os anos 1960 estão em alta em Hollywood. Em 2014, tivemos Selma: Uma Luta Pela Igualdade, que guarda algumas similaridades com nosso filme em questão, e – há pouco – Jackie. Estrelas além do Tempo (Hidden Figures, 2016), o terceiro longa metragem do diretor Theodore Melfi (que divide o roteiro com Allison Schroeder) resgata o clima da Guerra Fria por um ângulo diferente do qual estamos habituados. O filme coloca como protagonistas, justamente, integrantes de uma das minorias mais agredidas durante o contexto: as mulheres negras (me desculpem os politicamente corretos, mas o termo “afro-americanas” não se aplica à época). Mas isso não é gratuito, um dos produtores do filme é, ninguém menos que, Pharrel Williams, o ídolo do R&B americano.
Baseado no livro Hidden Figures: The Untold story of the african american women who helped win the Space Race, de Margot Lee Shetterly, a sinopse fala da história real de 3 engenheiras matemáticas americanas que participaram ativamente do programa espacial dos EUA. O próprio título original, “Figuras escondidas”, em uma tradução livre, é mais adequado ao plot principal do filme: Como essas mulheres poderiam ajudar seu país em um desafio tão grande como a Corrida Espacial, enquanto eram escondidas de todos em uma sala reservada às “pessoas coloridas”? Essa história ficou guardada por 50 anos e seu resgate poderia ser um bom meio de mostrar o valor da contribuição dessas pessoas, mas a direção é “cinza” demais. Depois voltaremos a esse assunto para explicar essa definição.
Estrelas além do tempo conta com um roteiro típico e eficaz, com bons momentos de emoção e alívios cômicos. Como roteirista e crítico, começo a desconfiar de filmes com a tal estrutura de 3 atos, pois tenho a impressão de sempre assistir ao mesmo filme. Mas, apesar disso, não há como negar que esse tipo de história prende a atenção e leva o espectador a se envolver com a brilhante protagonista Katherine (Taraji P. Henson, da série Empire) e suas duas companheiras, Dorothy Vaughan (Octavia Spencer que aparece na franquia Divergente) e Mary Jackson (A cantora Janelle Monáe) na aventura de lançar o astronauta John Glenn ao espaço.
As três personagens, de personalidades extremamente diferentes, dividem nossa atenção demonstrando como é difícil (até hoje) a condição de fazer parte de uma minoria americana. O filme apresenta as dificuldades de ser mãe (e pai), mulher, negra, uma inteligência subvalorizada dentro de uma NASA que é um micro universo da sociedade dos anos 60. Com um elenco afinado ao extremo, temos os destaques de Kevin Costner, sempre preciso, apesar das limitações normais que ele sempre apresentou, e de Jim Parsons, que, mesmo sem o sotaque texano, mostrou um personagem não muito diferente do bom e velho Sheldon Cooper, de The Big Bang Theory. Conta ainda com uma envelhecida Kirsten Dunst e Kimberly Quinn.
Pena que ficou devendo…
Não há o que acrescentar sobre os aspectos técnicos do filme, como fotografia, som e trilha sonora. Eles estão todos dentro do padrão hollywoodiano de excelência. Isso é bom, porque ficamos preocupados apenas na apresentação da história, porém não torna o filme marcante tecnicamente. Aliás, esse é o grande problema do filme. Voltando ao assunto da direção, a impressão que fica é que faltou ferocidade. Um assunto desses seria muito melhor explorado nas mãos de um diretor mais engajado. Minha melhor aposta seria Spike Lee. Theodore Melfi, fez um bom trabalho, mas burocrático. O filme foi feito para ser competente e não marcante.
Apesar do tópico “segregação racial” se apresentar como recorrente, a direção apresenta os assuntos delicados de uma maneira sutil e até com alguma profundidade, mas sem a ousadia que faria o filme ter um apelo maior. Falta uma identificação maior com a cultura negra. Ser negro parece apenas um leve incômodo em certos momentos do filme. Algo que leva um pouco mais de tempo e paciência para se resolver. A técnica de roteiro nos faz deixar isso para segundo plano e se apegar à aventura eficientemente, mas de uma forma pasteurizada. Eu senti um excesso de “tons de cinza” e uma falta de “contraste” na forma de tratar uma palavra que eles usam ao extremo no filme: COR.
Um bom filme, mas que não alcança o potencial que parecia ter e que, futuramente, também tende a se tornar apenas uma figura escondida em qualquer prateleira.