Eu sempre menciono que, aqui no Formigueiro, temos uma piada interna que diz que sempre que vemos um bom ator em um filme horrível, a única explicação possível é: contas a pagar. Tirando pelo que vemos em Dominação (Incarnate), Aaron Eckhart está devendo até as calças para alguém. E olha que – quando se observa os elementos em questão que rondam o filme – ele nem deveria ser a bomba que é. A produtora do filme, Blumhouse Productions, já firmou seu território em Hollywood com alguns dos maiores sucessos recentes do gênero de terror, como O Presente e A Visita, além das franquias Uma Noite de Crime e Sobrenatural, todos eles conhecidos por custarem pouco e renderem bastante, relativamente. Se isso não fosse o bastante, ainda são responsáveis pelo fenômeno que deu fôlego novo ao found footage terror – Atividade Paranormal.
Qualquer coisa que se possa discutir sobre a qualidade dos filmes, o fato é que eles renderam e isso deveria credenciar Dominação a, no mínimo, ser um sucesso entre os fãs do gênero. Além disso, a classe do próprio Aaron Eckhart dispensa apresentações, principalmente após sua brilhante apresentação em O Cavaleiro das Trevas (mesmo eclipsado por Heath Ledger). E o filme ainda conta com a presença de Carice Van Houten, a Melisandre da série Game of Thrones. Ou seja, são muito elementos para que o filme dê certo.
Mas é aquela velha tecla em que batemos: nem todos os recursos e talento do mundo conseguem consertar uma porcaria de história. E bota porcaria nisso. A começar pela trama. Um filme de exorcismo (mais um) que tenta dar uma explicação científica para o fenômeno. Nolanizaram as possessões demoníacas! Esqueça os crucifixos, bíblia e água benta. O descarrego aqui é feito com um PhD.
O Dr. Seth Ember nasceu com um dom, que nós poderíamos explanar de maneira mais sutil, mas, já que o filme preza o seu “primor científico”, vamos categorizá-lo de forma objetiva – telepatia. Mas não aquela do nosso careca paraplégico favorito – característica ironicamente compartilhada entre eles (paraplegia, não a calvície) – mas um tipo específico: a conexão entre as mentes permite o acesso a aquilo que é comumente conhecido como “alma”. Porque, conforme coerentemente explicado em Dominação, a alma seria um “campo de íons” (?) muito peculiar, quase imperceptível para uma aparelhagem comum, mas cujo genial Dr. Ember aprendeu a identificar para entender melhor suas habilidades. Eu gostaria honestamente de sentar ao lado de Neil deGrasse Tyson nessa parte do filme. Só pela farra, sabe?
E neste criativo universo, demônios – não os tradicionais cramulhões de chifrinhos, caudas e um odor pouco higiênico de enxofre, mas entidades psíquicas parasitas – se alimentam da alma/mente/campo de íons peculiar dos seres humanos. Desde sempre, o Dr. Ember negou o seu dom, preferindo viver uma vida normal. Até que um demônio/entidade psíquica parasita, possuindo uma mulher chamada Maggie, propositalmente provocou uma colisão de carros, matando a família de Ember e confinando-o a virar um cosplay ruim de Prof. Xavier. A partir dali, com a ajuda de um equipamento que só ele entende e com a ajuda de dois assistentes hipsters/light goth, ele passa a caçar Maggie, enquanto essa está decidida a fazer da vida dele um inferno (pegou o trocadilho? Porque é isso que esse filme merece).
A querela ganha uma possibilidade de encerramento quando Maggie decide possuir/se alimentar de uma criancinha (David Mazouz), pois, claro, um bom filme de terror sempre precisa de uma criancinha endemoniada. Ou emparasitada. Enfim. Quem primeiro identifica a possessão é uma agente de Igreja Católica (Catalina Sandino Moreno – que tinha que ser latina, para dar mais autenticidade ao catolicismo), mas que poderia muito bem ser uma agente de viagens, porque dado o contexto “científico” do que deveria ser a função dela, o seu trabalho é quase tão respeitável e útil quanto ser professor de filosofia no Brasil. A agente então convoca o às do exorcismo, o Dr. Ember, para dar um antibiótico psíquico para o fedelho e um fim em Maggie.
Espero que o amigo leitor perdoe o tom jocoso dessa crítica, mas não dá para levar o filme a sério. Do momento em que o descarrego é feito por telepatia, até a alma que é um “campo de íons”, a coisa só vai ladeira abaixo, bem em direção ao inferno – se é que ele existe, porque aqui ele pode ser muito bem um tipo de buraco-de-minhoca habitado por uma raça de Chupa-Cabras. Não é aquele ruim estilo trash, que te diverte de uma forma irônica. É só ruim mesmo.
É filme de exorcismo que não tem exorcista, é um filme de demônio que não tem demônio, é um filme de terror que não tem terror. Brad Peyton, “diretor” do desastre, não se prestou sequer a dignidade de inserir uma meia dúzia de jump scares no meio do caminho, recurso rasteiro que infesta os filmes de terror hoje, mas que ao menos mantém o espectador acordado, o que é mais do que se pode dizer de Dominação. Não vale sequer a pena prestar atenção em qualquer tipo de efeitos práticos ou cenografia em geral, que não são necessariamente ruins. A história é uma tolice tamanha que o filme poderia ganhar uma dúzia de Oscars técnicos e qualquer pessoa, com um mínimo de bom senso, ainda pediria o seu dinheiro de volta na saída do cinema.
Não cansa reforçar, assim, o aspecto mais curioso disso tudo: o que Eckhart, Van Houten e Moreno, que também é boa atriz, estão fazendo aqui? Vai saber.
Eu diria que todos estão possuídos. Deus tenha piedade do campo de íons peculiar deles.