Em Deserto, filho de Cuarón falha em criar thriller de caçada humana
Em 2007, Jonás Cuarón (filho do premiado diretor mexicano Alfonso Cuarón) mostrou inventividade e sensibilidade na forma como realizou seu primeiro longa-metragem. Ano Unha (Año Uña), exibido em São Paulo dentro do 3º Festival de Cinema Latino-Americano, contava uma delicada história de paixão adolescente utilizando apenas fotografias. Nada de imagens em movimento. Ele simplesmente reuniu um ano de fotos pessoais, as reorganizou e criou uma trama com personagens fictícios a partir de uma locução. Funcionou muito bem.
Agora, chega aos cinemas seu segundo longa: Deserto (Desierto). Nele, Gael García Bernal (de Neruda e 118 Dias) é Moises, um mexicano que tenta retornar para a família nos EUA depois de ter sido deportado. Após atravessar a fronteira no meio do deserto, ele e um grupo de imigrantes ilegais cruzam o caminho de Sam (Jeffrey Dean Morgan, de Presságios de um Crime), um radical anti-imigração que decide caçá-los como animais.
Além do claro viés político e social da trama, Cuarón quis fazer de seu filme um thriller eletrizante. Porém, a inventividade que transbordava em sua obra de estreia não se repete aqui.
Falta de experiência pesou
Deserto sofre de problemas que revelam a inexperiência de seu diretor. Os principais itens de um bom filme de perseguição e suspense estão lá, só que parecem fazer parte de um manual que se está seguindo. Falta refinamento, desenvolvimento e intensidade. Falta, sobretudo, personalidade.
É o que se pode notar no mau aproveitamento de dois bons atores à frente do elenco. Ambos encarnam personagens genéricos, sem qualquer profundidade. Bernal ainda ganha umas linhas de diálogo para contar sua história, usando como gancho um nada original ursinho de pelúcia que carrega consigo. É, aliás, nesse momento de pausa que o filme, de forma esquemática e artificial, aproveita para o fazer um discurso político frágil (embora sempre relevante) sobre a violência no México e a situação de vulnerabilidade dos seus imigrantes nos EUA.
Morgan, por sua vez, encarna um personagem ainda mais raso. Suas motivações são absolutamente maniqueístas, limitando-se a serem explicadas por elementos como uma bandeira dos Estados Confederados em sua caminhonete, um rifle de caça e um rápido diálogo com um policial.
Essa ausência de profundidade no personagem rouba o que poderia ser um efeito de intensificação na trama: a construção de uma maleficência aterrorizante personificada por Sam. Algo como o que os irmãos Coen fizeram dez anos atrás com o personagem de Javier Bardem em Onde os Fracos não Têm Vez. O que se tem, no entanto, é apenas um idiota racista (com perdão da redundância), frio, com um rifle e um cachorro.
Rico em inconsistências
Embora Deserto possa ser considerado um caminhão de subjetividades desperdiçadas (sua temática e sua ação poderiam trazer diversas camadas sobre desumanização, imigração ilegal, preconceito e ódio, violência gratuita, companheirismo, identidade, pertencimento e abandono), é preciso ser honesto e dizer que não se deve analisar um filme pelo que ele poderia ser e sim pelo que é. E, como thriller de perseguição, ele também é rico em inconsistências.
Cuarón precisa ainda melhorar em fundamentos como eixo de câmera e edição. No primeiro caso, trata-se de manter o espectador situado dentro da ação, de forma a compreendê-la em termos de espaço e movimento. Há, pelo menos, dois momentos importantes no filme em que se perde a referência espacial pela falta de habilidade do diretor em posicionar a câmera.
Já no caso da edição, esta seria fundamental para uma narrativa de caçada frenética, com sequências de alta intensidade. No entanto, o que se vê na tela funciona mal como suspense. São sequências com cortes mecânicos, sem ritmo, dando uma sensação de ação pasteurizada. Elementos que impedem uma imersão no sentido de urgência que o filme tenta transmitir.
O que piora esse conjunto é o roteiro, repleto de inconsistências primárias. Desde um plano de fuga improvável – que, primeiro, funciona absurdamente bem e, em seguida, falha de forma quase tão absurda – até situações em que um ferimento no braço incapacita uma fuga correndo, enquanto, adiante, uma fratura exporta na perna não impede que um personagem fique de pé.
Em seu Deserto, Jonás Cuarón empilha deslizes dentro de uma boa intenção de filme de gênero. Parece, no início, que vai fazer dele um ato político travestido de ação. Especialmente quando, após um massacre, Sam fala, orgulhosa e ironicamente: “Bem-vindos à terra dos livres”. No fim, porém, o que fica é só a boa intenção. O resultado é bastante fraco.