Deixe A Luz Do Sol Entrar é um conto melancólico sobre a ausência de amor
Quem vê o pôster de Deixe A Luz Do Sol Entrar (Un Beau Soleil Intérior) e reflete rapidamente sobre o título — tanto o nacional quanto o original — pensa que o filme se trata de uma jornada de auto-descoberta otimista, no molde de tantas histórias românticas lançadas anualmente nos cinemas, na qual a protagonista passa por experiências que lhe farão amar a si mesma acima de tudo. No entanto, quem for com essa expectativa talvez se assuste com a melancolia e secura da narrativa.
Não obstante, aos que conhecem o trabalho da diretora Claire Denis, essa abordagem não é estranha. Logo nos minutos iniciais, quando vemos Isabelle, a personagem principal (interpretada por Juliette Binoche, de A Espera e Ninguém Deseja A Noite), reagindo friamente a um ato sexual — reação filmada com crueza e paciência por Denis –, sabemos que o filme fugirá das convenções (algo comum na carreira da diretora) e se concentrará nas amarguras da protagonista, mesmo quando elas são dolorosas de serem vistas e refletem uma auto-estima assustadoramente baixa. O que está em jogo é a difícil realidade de uma mulher de meia idade à procura de um companheiro.
A história de Deixe A Luz Do Sol Entrar é constituída de uma série de encontros românticos mal-sucedidos. O primeiro homem a surgir é um banqueiro casado e mal educado que enxerga em Isabelle apenas um refúgio ao qual pode recorrer quando o cotidiano se torna demasiadamente entediante. O segundo, por sua vez, é um ator talentoso, mas inseguro e muito auto-centrado. Já o terceiro é sabotado pelos comentários maldosos e enciumados de um amigo da protagonista. Em todas essas situações, Isabelle ignora os defeitos na esperança de se relacionar com alguém, no entanto, é sempre ela quem sai perdendo.
Evidentemente, a solução desse problema não está nos homens com os quais se depara, mas na maneira como ela se enxerga. Não adianta buscar grandes qualidades em estranhos quando, para aplacar a solidão, nos contentamos com qualquer pessoa. É somente nesse estágio de amadurecimento que estamos prontos para nos relacionar romanticamente. Amar a si mesmo talvez seja uma das primeiras manifestações de amor verdadeiro. Propositalmente, quando Isabelle dança sozinha e com um sorriso no rosto, ouvimos “At Last”, de Etta James, canção que fala sobre se apaixonar. No caso em questão, essa paixão é, no melhor sentido da palavra, egoística.
As sutilezas de um estilo sóbrio
A maneira como Denis retrata essa jornada é majoritariamente sóbria. Há poucos movimentos de câmera, alguns planos são mais longos e, em certos momentos, os atores são enquadrados individualmente, o que reflete a solidão que compartilham até quando estão juntos. Contudo, há cenas em que ocorre um rompimento dessa estrutura e a criatividade da diretora aparece mais efusivamente. A conversa que a protagonista tem com o banqueiro num bar, quando a câmera dança de um lado para o outro, ilustrando, assim, o jogo de poder entre os dois personagens, é um forte exemplo. O mesmo vale para a cena final, em que os créditos sobrem enquanto um diálogo esclarecedor ainda se desenrola.
Claramente, essa sobriedade gera a sensação de que Deixe A Luz Do Sol Entrar não é um filme muito inspirado. E, de fato, não é um dos melhores trabalhos da cineasta. Não há espaço para muitas ambiguidades ou complexidades psicológicas. Mas se trata, inegavelmente, de uma reflexão sincera sobre o mundo feminino, particularmente especial por partir de Denis, diretora experiente conhecida por trabalhos emocionalmente densos. Ver artistas consagrados saindo da zona de conforto é sempre uma atividade prazerosa e encorajadora.