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Crouching Tiger, Hidden Dragon: Sword Of Destiny – Kitsch e olhe lá!

Pôster - O Tigre e O Dragão 2

Na virada do século, o diretor taiwanês Ang Lee surpreendeu o mundo do cinema com O Tigre e o Dragão (Crouching Tiger, Hidden Dragon), filme que conquistou crítica e público dos cinco continentes ao criar, com grande orçamento, seu próprio exemplar de wuxia, gênero literário e cinematográfico chinês que mistura fantasia, história, simbolismos e (muitas) artes marciais, itens caros à cultura asiática. O wuxia, até então restrito ao extremo oriente, ganhou o mundo e inspira diferentes produções de diferentes níveis até hoje.

Ang Lee, formado na escola norte-americana, colocou muito tempero dos EUA nesse trabalho, mas conseguiu um produto genuinamente chinês aos olhos do público e sem causar o estranhamento e o preconceito que normalmente ocorre em obras em que o inglês não seja o idioma oficial. O resultado foi um filme extremamente popular, que conseguiu a façanha de ter 10 indicações ao Oscar (ganhou quatro), premiação que normalmente torce o nariz para filmes asiáticos: dos 67 prêmios da categoria de Melhor Filme Estrangeiro entregues até hoje, apenas cinco foram para produções daquele continente, incluindo O Tigre e o Dragão, que também concorreu ao posto de melhor filme do ano – em uma época em que apenas cinco vagas eram abertas a disputa – e Ang Lee ao de melhor diretor.  Não faltam méritos para ele, seja pela história cuidadosamente construída em tom literário, porém acessível, seja pela indiscutível beleza da direção de arte ou pelas famosas coreografias das lutas, que mais parecem danças lúdicas do que ataques de violência.

O Tigre e O Dragão 2

Mas eis que, uma década e meia depois, o esperado (mas indesejado) pior acontece: uma sequência é anunciada. A Netflix segue na produção de filmes originais do serviço com a continuação do aclamado longa-metragem. Dessa vez, sem a presença daquilo que o original tinha de mais precioso: o nome de Ang Lee nos créditos. Apenas estas informações já seriam suficientes para derrubar as expectativas de quem é admirador do bom cinema – não apenas do gênero – mas as noticias pioram para os fãs do clássico do ano 2000, antes mesmo do take de abertura de Crouching Tiger, Hidden Dragon: Sword Of Destiny, que deveria ser chamado de O Tigre e O Dragão: Espada do Destino, mas o serviço de streaming prefere manter o título original.

Vamos por partes. Se você espera uma sequência de fato, com uma respeitável relação com o episódio anterior, essa será sua grande decepção. As referências resumem-se ao mínimo do mínimo, unicamente para justificar a presença da atriz Michelle Yeoh, que revive a personagem Yu Shu Lien após os eventos do primeiro capítulo, única remanescente do original e utilizada como uma espécie de marca dessa pseudo-franquia.  A obstinação pela proteção da espada Destino Verde continua, porém,  as ligações se esvaem no decorrer da apresentação. Na trama, o maligno general Hades Dai envia um emissário para roubar a lendária espada, mas o ladrão é pego durante a fuga. Aprisionado, Tie-Fang (Harry Schum Jr), chama a atenção de Snow Vase (Natasha Liu Bordizzo), nova discípula de Yu Shu Lien, e descobre uma ligação do passado entre eles. O grupo recebe a ajuda de uma gangue de guerreiros para evitar que a arma caia em mãos erradas.

O Tigre e O Dragão 2

A falta de conexão é fortemente sentida logo no primeiro diálogo, pela adoção do inglês no lugar do emblemático mandarim do filme anterior. As primeiras cenas também já demonstram uma mudança brusca na estética que tanto colaborou para a popularidade do filme original. A bela fotografia, com a utilização das cores como elemento gráfico fundamental da narrativa, dá lugar a uma mesmice pastel sem brilho. A imponência da direção de arte, com cenários e elementos de produção elaborados com esmero técnico cativante, é substituída por formatos tímidos, disfarçados por enquadramentos limitados e efeitos especiais que apenas artificializam ainda mais o que já é tratado como fantasia. Os figurinos, outrora artísticos, agora mais parecem feitos para uma série de TV de baixo orçamento.  A belíssima trilha sonora escrita pelo compositor chinês Tan Dun – executada pela Orquestra Sinfônica de Xangai – se transformou em uma série de notas brancas e sem relevância. Uma tristeza.

O Tigre e O Dragão 2

Sword Of Destiny é inferior em absolutamente tudo em comparação a obra de Ang Lee. O constrangimento acontece até mesmo naquilo que pode ser apontado como única linha de união entre os dois filmes, além de Michelle Yeoh e da própria espada: a coreografia. Em 2000, a coreografia remetia a um balé flutuante, simbolizando a leveza do corpo como arma de combate e salvação, recurso que alimentava o tom poético e fantasioso que a atmosfera wuxia tanto valoriza. No filme atual, os vôos de corpos leves continuam em meio a fervorosas lutas de espadas, mas agora parecem algo banal e até deslocadas. O curioso neste ponto, é que este filme é dirigido por Yuen Woo-Ping, justamente a mesma pessoa que coordenou as lutas no O Tigre e o Dragão original, ainda contando com os dois volumes Kill Bill no currículo. O dado mostra o peso da ausência de uma boa direção na composição de uma obra maior.

O Tigre e O Dragão 2

O roteiro, assinado pelo norte-americano e irregular John Fusco, é mais um ingrediente nesse yakisoba dos infernos. Enquanto O Tigre e o Dragão tinha forte embasamento literário, inspirado na série de livros que compõem a chamada Pentalogia de Ferro, do escritor chinês Wang Du Lu, Sword Of Destiny opta por uma história mais fácil e rasa, permeada por romances e situações forçadas, um formato novelesco que lembra muitos filmes feitos para passar na TV em um domingo à noite. O pior problema, no entanto, é tom cômico dado aos personagens e acontecimentos. O próprio filme não se leva a sério, incorrendo em diversos clichês de piadas sem-noção e sarcasmos desnecessários.

O Tigre e O Dragão 2

Depois de tudo isso, é possível achar algo bom aqui? Sim, e o mérito está no elenco, uma equipe empenhada e comprometida com seus papéis, mesmo com todos os problemas técnicos que os cercam. Destaque para Michelle Yeoh e Donnie Yen, que inserem dignidade aos personagens mesmo com drásticas limitações do texto. Roteiro este, aliás que, paradoxalmente, levanta uma possível tábua de salvação no conjunto final: justamente por ser rasa, a história é de fácil entendimento e até palatável, resultando num filme que até pode distrair e servir de passatempo para quem não tem mais nada importante pra fazer e não está nem aí com o que veio antes. Em suma, Sword Of Destiny é um kitsch, e como tal deve ser rapidamente consumido, descartado e esquecido em seguida. Ou talvez seja melhor descartar e esquecer antes de consumir.

Esperemos que a Netflix seja mais feliz nos próximos filmes que produzir, já que o serviço de streaming surpreendeu anteriormente com o ótimo Beasts of No Nation, que rendeu até um episódio do nosso videocast!

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