Filme sobre investigação jornalística é sempre complicado. É muito fácil deixar o público perdido no meio dos procedimentos da área, ainda mais porque qualquer esclarecimento sobre o andamento da trama em questão vai depender muito de diálogos, recurso que exige mais sensibilidade em um meio visual. Mesmo um tema interessante e contundente requer uma grande habilidade do diretor para manter um bom roteiro nos trilhos, algo difícil para um cineasta de primeira viagem, como James Vanderbilt comprova em Conspiração e Poder (Truth). Não que esse roteiro, também escrito por ele, seja tão bom, mas poderia ser valorizado por alguém mais experiente.
Vanderbilt é produtor e roteirista, com créditos como o excelente Zodíaco (2007), de David Fincher, mas também com os dois exemplares descartáveis do Homem-Aranha de Marc Webb (2012 e 2014). Bem, nestes últimos ele ainda pode justificar-se lembrando que houve muita gente além dele mexendo nos roteiros. Em sua estreia no comando de um longa, ele adaptou o livro de Mary Mapes (Truth and Duty: The Press, the President, and the Privilege of Power), jornalista e produtora do lendário programa 60 Minutes, sobre a investigação – ocorrida em 2004 – a respeito de supostos favorecimentos a George W. Bush durante seu serviço militar. O caso, inicialmente sobre o envolvimento da família Bin Laden nos negócios dos Bush no Texas, acaba trazendo à tona testemunhos que poderiam prejudicar o então Presidente na reeleição.
Tema difícil, dramaturgicamente falando. Todos sabem o resultado da reeleição, o que automaticamente já entrega o final deste caso, mas isso não seria um problema nas mãos de um diretor melhor. Não faltam exemplos de profissionais que trabalharam com um material de final telegrafado e se deram bem (Paul Greengrass, em Domingo Sangrento e Vôo United 93, não me deixa mentir…), mas não foi o caso aqui. Bem provável que James Vanderbilt tenha agido consciente de que a figura marcada do Bush filho e suas evidentes manobras, assim como sua revoltante impunidade, trariam problemas narrativos, portanto, a solução poderia estar em conferir um peso maior nos ombros da protagonista, envolvendo seu relacionamento com seu mentor na profissão, sua vida pessoal e o que sofreu por conta da reportagem em questão. Feito! Agora vai? Mais ou menos…
Conspiração e Poder não chega a ser um filme ruim, nem a opção de seu diretor pode ser considerada um equívoco, mas a execução destas ideias demonstra uma falta de sutileza gritante, inclusive no já citado calcanhar de Aquiles deste tipo de produção. Cate Blanchett, como Mary Mapes, divide o protagonismo com Robert Redford, que interpreta o mentor e amigo Dan Rather. Em papéis (bem) menores – e com peso dramático quase nulo – temos Topher Grace, Dennis Quaid e Elizabeth Moss compondo a equipe da jornalista. Parece evidente que, pelo menos, um destes três poderia ser limado do roteiro sem prejuízo, mas aquela maldita mania dos filmes baseados em fatos mantêm o elenco inchado, só para citar gente da vida real. Pior para Elizabeth Moss, que já provou seu valor nas sete temporadas de Mad Men.
A Mary de Cate Blanchett é uma figura bem reconhecível. Profissional workaholic que não pensa em outra coisa, ou larga o telefone para servir o café da manhã para o filho. Até aí normal, mas quando dois personagens conversam sobre ela, revelando um passado familiar problemático, as deficiências desta história se tornam difíceis de ignorar. O motivo é que o tal passado envolve um pai violento, mas o diálogo explicativo é tão forçado que descamba para uma frase do tipo “Ela apanhava apenas por dizer a verdade”! Precisava anunciar em letras garrafais de neon que ela sofreria por causa da tal reportagem, como se ninguém desconfiasse disso?
Já estava exagerado, mas a trilha sonora de Brian Tyler (Homem de Ferro 3, Thor: O Mundo Sombrio e Vingadores: Era de Ultron), mandando ver em temas melosos de drama e de inspiração nos momentos de triunfo, quase deixou Conspiração e Poder com cara de telefilme das antigas. Na fotografia, Mandy Walker não trouxe nenhum acréscimo narrativo e ainda deixou algumas cenas escuras demais.
Mas, conforme já citado, não se trata de algo absolutamente desprezível, desde que se tenha alguma afinidade com o tipo de premissa. O que realmente valoriza um pouco essa produção é sua dupla principal, com sua competência de costume. Se Cate Blanchett não tem um texto à altura do seu talento, ainda assim ela segura bem seu fardo e comprova mais uma vez sua habilidade e seu carisma. Falando em carisma, desnecessário usar o termo para Robert Redford, do mesmo jeito que a expressão “presença em cena”. Graças a eles, o relacionamento entre seus personagens tem força e dá um empurrão bem vindo ao filme.
É bem desagradável comparar de uma forma tão direta, mas lá vai: Conspiração e Poder está a anos-luz do ganhador do Oscar 2016 de Melhor Filme, Spotlight – Segredos Revelados, produção que tem muito a ensinar a James Vanderbilt, caso ele tenha vontade de arriscar-se novamente neste segmento. Se bem que alguns temas específicos poderiam (deveriam?) ser deixados para os documentários.