Pablo Escobar é uma figura mítica. Tema de vários filmes, documentários, músicas e reportagens nas últimas três décadas, recentemente voltou a ser assunto em virtude da série Narcos, produzida pela Netflix (cuja primeira temporada rendeu um episódio do nosso podcast) e com o brasileiro Wagner Moura no papel do famoso traficante colombiano. Talvez para aproveitar essa retomada na popularidade de uma figura tão controversa, a aposta de Conexão Escobar (The Infiltrator, EUA, 2016) é relatar uma das muitas operações policiais para desmantelar o Cartel de Medellín, organização criminosa comandada por Escobar e com atuação em vários países da América Latina e nos Estados Unidos.
Neste filme, conhecemos o policial Robert Mazur (Bryan Cranston, ótimo), um agente do FBI encarregado de se infiltrar no ramo norte-americano do Cartel, a fim de realizar uma apreensão de drogas milionária e a prisão dos associados do traficante colombiano em solo americano. Seu alvo é Roberto Alcaino (Benjamin Bratt, de Legalmente Loira), amigo pessoal e braço direito de Escobar na Flórida, por onde entrava a maior parte da cocaína traficada no país. Obviamente, essa não é uma missão fácil. Mazur é obrigado assumir a identidade falsa de Bob Musella, empresário que atua com lavagem de dinheiro, pois é mais fácil rastrear o dinheiro do que a droga em si. Junto com ele atuam os agentes Emir Abreu (John Leguizamo) e Kathy Ertz (Diane Kruger), esta, interpretando uma falsa noiva de Musella.
O filme, de pouco mais de duas horas, foca na operação em si, deixando de lado a investigação prévia (que é apenas mencionada para ajudar o espectador a se situar). A personalidade dos envolvidos (o pai de família e responsável Mazur, o esquentado Abreu, a sensível Ertz) contrasta a todo momento com a dos membros do Cartel (Alcaino e a esposa são extremamente simpáticos, apesar de criminosos, os Mora, pai e filho, que são bastante atrapalhados, mas tornam-se a ponte entre o time do FBI e os colombianos), o que garante um suspense interessante em várias cenas onde há um receio de que o disfarce será descoberto a qualquer momento.
O trabalho da direção de arte na reconstrução da época é muito interessante. Há uma ambientação por meio do visual (carros, cabelos e roupas, inclusive as extravagantes utilizadas pelos personagens do núcleo latino) e da trilha sonora (o filme abre com Tom Sawyer, do Rush!), bem como dos eventos em si, que, à época, foram parte do grande circo midiático em volta de Escobar e sua quadrilha e estão, aqui, bem recriados. Logicamente, nem todos os eventos ali aconteceram de fato ou se desenrolaram como foram retratados (o assassinato de um dos informantes do FBI, por exemplo, foi romanceado para um melhor enquadramento na história), mas a condução do roteiro, de Ellen Brown Furman, esposa do diretor, Brad Furman, é bem lógica e acerta em não detalhar muitos eventos que pudessem tornar a película longa e resultassem na perda de interesse do espectador.
Furman, diretor do ótimo O Poder e a Lei (adaptação de 2011 do romance policial de Michael Connelly), faz aqui uma direção muito boa das cenas de ação, mas tem seu melhor na direção de atores. Cranston, que é conhecido como o professor de química convertido a traficante Walter White, da série Breaking Bad (que também foi tema de outro episódio do podcast), muda de lado, fazendo um correto e típico policial, sem deixar a sombra de seu papel mais famoso se sobressair. Leguizamo, conhecido por papeis de latinos nervosinhos, é o policial problema, mas sempre muito competente, e Diane Kruger atua sem sacrifícios como a bela noiva modelo, tendo momentos de uma atuação às vezes delicada, às vezes femme fatale.
A iluminação, ora muito escura, ora muito clara, acaba servindo de referência ao momento: as cenas noturnas geralmente envolvem as ações de Mazur/Musella junto aos membros do Cartel (inclusive, com uma sequência bastante tensa que antecede o momento em que ele e Alcaino se conhecem) e as diurnas os momentos no FBI ou com a família (reparem na curta, porém ótima, participação da atriz Olympia Dukakis, que interpreta a tia do protagonista).
Conexão Escobar não acrescenta nada novo no extenso e já conhecido histórico do mais famoso traficante das Américas, mas garante o entretenimento. Outros filmes, como Profissão de Risco, com Johnny Depp (que relata a participação do traficante norte-americano George Jung no Cartel), e Escobar, Paraíso Perdido (que conta a história de um canadense que passa a integrar a família de Escobar, vivido neste por Benício Del Toro), são, simplesmente, recortes da vida de um homem cujo significado, para uns, era de criminoso e, para outros, de herói. É importante reforçar que nos três exemplos acima, a história é contada do ponto de vista de pessoas envolvidas direta ou indiretamente com Escobar e que foram, de certa forma, prejudicadas por esse relacionamento. Dentre os três, nosso exemplar em questão mostra-se mais eficiente por contar uma história em que o objeto de interesse e simpatia não é o próprio Escobar, mas aqueles que o cercavam, amigos ou inimigos. É a amostra do principal lema do próprio traficante: ou era a grana (plata) ou bala (plomo). Geralmente, o plomo.