Orcs e Elfos invadem o nosso mundo em Bright
Acredito que a maioria dos fãs de Universos fantásticos medievais, como, por exemplo, O Senhor dos Anéis ou Game of Thrones, já desenharam em sonhos lúcidos como seria a transposição de seres místicos e criaturas desses universos para o nosso mundo ou, pelo menos, já se questionaram sobre isso. Elfos, Gnomos, Orcs, Anões, Dragões, como todos eles seriam inseridos em nossa realidade? É exatamente isso o que acontece em Bright, o novo filme produzido pela Netflix. A produção de um dos mais famosos sistemas de streaming nos traz esse universo fantástico de seres e criaturas que agora habitam as ruas e guetos de Los Angeles. Castelos e Espadas são trocados por Arranha-céus e pistolas automáticas. Tolkien ficaria orgulhoso, afinal, a Terra Média idealizada pelo autor era um retrato mitológico da Idade Média.
Já Bright é o retrato mitológico do mundo em que vivemos. Tendo iniciado o texto dessa maneira, é claro que elogios ao filme deveriam aparecer nas linhas a seguir. Entretanto, os elogios ficaram apenas na Terra Média. Eis que agora surge o balde de água fria: O ímpeto dos criadores em nos trazer esse riquíssimo universo não justifica as diversas falhas do longa. Bright tem muitos problemas, principalmente na composição do roteiro e na estrutura narrativa.
Problemas e mais problemas em uma narrativa fantástica
Escrito por Max Landis (roteirista da interessante série Dirk Gently’s, também produzida pela Netflix) e dirigido por David Ayer (o responsável pelos bons Marcados para Morrer e Os Reis da Rua, além de Corações de Ferro e Esquadrão Suicida, ruim e péssimo, respectivamente), Bright enfoca a vida de um policial, Ward (Will Smith), que, após levar um tiro, acaba duvidando da conduta e compromisso com a lei de seu parceiro Orc, Nick (Joel Edgerton). Em uma chamada rotineira, os dois policiais encontram uma Elfa, Tikka (Lucy Fry) e uma varinha mágica, um instrumento que é capaz de realizar qualquer sonho daquele que a possuir, mas apenas criaturas mágicas chamadas “Bright” conseguem resistir à magia da varinha e não se tornarem pó.
Atrás do instrumento, temos gangues, policiais corruptos, federais e uma ordem secreta que o deseja a qualquer custo para libertar um “Senhor das Trevas. Enquanto isso, Ward e Nick decidem proteger Tikka e a varinha mágica, já que acreditam em certo momento pertencer a uma certa “profecia”.
Simples o enredo, não é? Uma narrativa clássica, jornada do herói e seus arquétipos em uma linha simples “Proppiniana” (para esse texto, senti necessidade de dar o nome do escritor russo Vladimir Propp, autor do livro Morfologia do Conto Maravilhoso, que versa sobre funções narrativas que ele desenvolveu baseado em 31 regras de estrutura para contos fantásticos) já era capaz de lidar com a história em Bright. Por isso, a estrutura de Propp cairia como uma luva.
Entretanto, David Ayer mais uma vez comete o erro visto em Esquadrão Suicida. História previsível, mal construída, diálogos extensos, explicativos, desnecessários e contraditórios, epílogo feito às pressas (nesse ponto, consegue ainda ser melhor do que o longa, que dá um salto do início para o final do filme em questões narrativas) o que, claro, impede de promover qualquer experiência emotiva ao espectador.
Personagens com -5 de Carisma
Há um problema também envolvendo a construção de alguns personagens. A Vilã Elfa/Maga, Leilah, vivida pela atriz Noomi Rapace, é completamente vazia e tão pouco carismática que só sabemos da sua existência depois de praticamente uma hora de sua duração. O objetivo de despertar o Senhor das Trevas é justificável apenas pelo querer da própria ordem do qual ela faz parte. Desejos particulares? Inexistentes. Outros personagens mal aproveitados são a filha e a esposa do policial vivido por Will Smith. Não que elas tenham tanta relevância dramática para o enredo, mas são apresentadas com tamanha importância, no início do filme, e mal sabemos o destino de ambas no decorrer da narrativa.
Mas se existe pelo menos um alívio para esses problemas envolvendo personagens, esse se chama Will Smith e Joel Edgerton. Mesmo com todos os problemas e furos do roteiro, os dois conseguem trazer vida as policiais Ward e Nick, como também veracidade naquele mundo que foi projetado, mas é só.
A Segregação Racial em Bright: Elfos versus Orcs
É clara e simples a questão política colocada em Bright. Segregação racial e truculência policial com minorias nos Estados Unidos, com o foco na cidade dos anjos. Comunidades negras e latinas dividem espaço no esquecimento político ao lado dos Orcs, que também sofrem violência e miséria cotidianamente. A justificativa pelo expurgo das criaturas: no passado, eram violentos e causaram a destruição de muitas cidades, inimigos ímpares dos Elfos e Humanos.
Qualquer semelhança com povos africanos subjugados no período da Colonização e posteriormente no século XIX, durante o Imperialismo Europeu, é mera coincidência. Enquanto Orcs são subjugados, massacrados e excluídos, os Elfos são ricos, poderosos e políticos. A segregação é evidente em Bright. Os Elfos vivem separados completamente de outras raças em um distrito rico e completamente diferente, o que é enfatizado pela paleta de cores.
A abordagem racial simples é bacana, competente, mas não resplandecente. Em Distrito 9, a ficção/fantasia sobre o Apartheid é mais elegante.
Terra Média e Cultura Cyberpunk é Shadowrun Crossfire
O Universo Místico em Bright é desastroso, um desperdício para o audiovisual em geral. Em Shadowrun Crossfire,o universo místico representado no futuro, dentro de uma cultura cyberpunk, é um brilho para os nossos olhos, uma mistura de Senhor dos Anéis com os filmes Matrix.
Shadowrun é um boardgame de construção e manejo de cartas (um deck building, como é chamado) cooperativo, de até quatro jogadores. Os jogadores escolhem o personagem (entre trolls, elfos, humanos e anões) e a classe que deseja assumir (Hacker, Guerreiro, Líder, Mago) para combater o governo corrupto que escraviza os seres humanos.
A escolha do personagem faz a diferença em relação aos atributos, um personagem mais robusto detém mais vida. Um personagem mais rápido, consegue ter mais cartas em mãos e por aí vai. A classe não é tão importante, afinal, a construção do deck acontece durante as partidas (missões) e o jogador sempre terá a necessidade de comprar cartas de outras classes para vencer os inimigos em jogo, o que é extremamente difícil.
Para quem gosta de desafios, Shadowrun Crossfire é o jogo certo. A derrota é sempre iminente e o sucesso depende do grupo dos jogadores se organizar para construir o deck, de acordo com as partidas e inimigos a serem vencidos. Um respiro para o tema, uma saída para o desastre em Bright. Longe das telas, mas na mesa dos jogadores.