Não existe, absolutamente, nada de errado na utilização do cinema como manifesto. A prática está aí desde que a sétima arte engatinhava, e como vivemos em um mundo em que mazelas denunciáveis não faltam, será difícil que ela seja um dia abandonada de vez. Até aí, nada demais. O único senão da coisa é quando parece que os realizadores consideram que a causa, o objeto central que dá o pontapé inicial para a o filme, já se sustenta por si, sem muita necessidade de criar uma experiência – seja ela agradável ou não – para o espectador.
Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós, venceu o 47º Festival de Brasília. Em uma curiosa mistura de documentário com ficção –científica, inclusive – o longa foca em duas vítimas de uma ação cruel, arbitrária e verídica da polícia em Ceilândia, no Distrito Federal, ocorrida em 1986. Em um baile Black, a ação policial irrompeu com a ordem que dá título ao filme, o que causou a paralisia de Marquim do Tropa e custou uma perna de Shockito. O detalhe é que esses dois que vemos no filme não são intérpretes, e sim as vítimas reais do caso. Anos depois do ocorrido, somos apresentados à rotina desses dois sobreviventes, já habituados à condição, enquanto um viajante do futuro, Dimas Cravalanças (Dilmar Durães), chega ao presente com a missão de coletar provas de que o Estado é o culpado deste tipo de opressão sofrida pelas comunidades menos favorecidas.
A premissa é interessante, trazendo mais alguns elementos de FC distópica, ao mesmo tempo em que toma um ar propositalmente caricatural quando o viajante do tempo entra em cena. Na verdade, o problema começa quando tentamos entender o motivo pelo qual esse personagem foi criado, já que ele não diz a que veio na trama, que se resume à construção de uma espécie de bomba sonora, com sons do cotidiano e músicas daquela periferia, que deve ser jogada nas autoridades, em Brasília.
O drama de Branco Sai, Preto Fica tem muito peso ao considerarmos, primeiramente, o racismo assumido por quem representa o Estado. A violência e suas consequências, evidentemente, aumentam essa carga e convencem o espectador que o caso deve mesmo ser discutido. A pergunta é: Não seria melhor fazer um documentário convencional, ao invés de perder-se em metáforas e firulas conceituais? Ou talvez funcionasse melhor como curta, já que o ritmo do filme é arrastado demais. Seria isso proposital, como recurso para retratar a rotina de pessoas incapacitadas fisicamente?
Com apenas mais um filme anterior no currículo, Adirley Queirós iniciou sua carreira de cineasta com A Cidade é Uma Só?, também misturando documentário de denúncia social com ficção. Fica difícil perceber as reais qualidades dele como diretor com apenas esses dois filmes, pois em ambos os casos as construções narrativas já vem recheadas de concessões, pela natureza dos projetos e seus elencos. Uma reflexão que considero importante, neste momento, diz respeito à imensa quantidade de comédias brasileiras sem sal – fabricadas mirando o público de telenovelas – contra produções como essa, diametralmente opostas, na temática e na proposta, e pouco vistas, se espremendo entre grandes produções nos multiplexes da vida.
Será que não existe um caminho diferente fora dos extremos?