Blade Runner 2049, um filme de altos e baixos
Continuação tardia é aquele negócio complicado, ainda mais quando o filme original é um clássico indiscutível, que fecha seu arco de maneira brilhante. Quando uma produção como essa é anunciada, o mundo estremece, mas pode rolar um alívio geral quando a equipe responsável é divulgada. Blade Runner 2049 (Idem) é o caso. Sequência da celebrada ficção científica que Ridley Scott dirigiu em 1982, lançando a versão do diretor cerca de uma década depois, o novo filme traz nomes de respeito.
(Confira o Formiga na Cabine sobre o filme)
Denis Villeneuve no comando, acompanhado do lendário diretor de fotografia Roger Deakins, com quem já havia trabalhado em Sicario. Bom sinal! Roteiro de Hampton Fancher, escritor do original, acompanhado por Michael Green. Este, aliás, co-roteirista de Logan e autor do argumento de Alien: Covenant. Ok, essa última informação não é muito animadora, mas essa turma inspira respeito de qualquer forma e animou os fãs pelo mundo. Infelizmente, o texto de Fancher, cuja carreira de roteirista praticamente inexiste se excluirmos Blade Runner, e Green já compromete o filme em sua essência.
Tentando expandir as ideias do filme de Scott, que terminava com uma aura de incerteza em relação ao que acontece após seu fim, o roteiro parte de uma premissa interessante. Se antes havia o questionamento sobre quem é humano de verdade e o que essa expressão significa, aqui já começamos com uma subversão. K (Ryan Gosling) é um Blade Runner, porém replicante e consciente desta condição. A abertura contextualiza o espectador, explicando que novos modelos de replicantes foram criados pela empresa de Niander Wallace (Jared Leto), após a falência da Corporação Tyrell. Neste cenário, replicantes fazem o trabalho de caçar outros de sua espécie que, eventualmente, fogem.
Logo no início, por acaso, K encontra uma caixa que leva à investigação de um caso que pode criar um colapso da ordem estabelecida. A busca o conduzirá até Deckard (Harrison Ford). Diretamente envolvido, o velho Blade Runner está desaparecido há três décadas por motivos que qualquer um que tenha visto o filme anterior já sabe. Aliás, surpreendentemente, sua participação na trama não é tão difícil de engolir e não desmente o que foi estabelecido antes. Por outro lado, quando o veterano é reapresentado, os alívios cômicos poderiam ter sido descartados.
Direto ao ponto, K tem algo parecido com uma jornada de Pinóquio nesta narrativa. Desprezado pela sociedade em geral e com o estigma de traidor pelos seus, o personagem tenta buscar algum sentido em sua existência. É exatamente por isso que se envolve cada vez mais em sua investigação, que acaba se tornando uma cruzada pessoal. O problema é que essa motivação, com seus conflitos e viradas, não seguram duas horas e quarenta de duração.
Não apenas isso, o que parece interessante, se relatado através de uma sinopse, acaba muito mal aproveitado e raso. A densidade psicológica do protagonista tenta construir-se através de suas memórias implantadas, que ele sabe que são falsas, e seu relacionamento com uma inteligência artificial com personalidade e projeção femininas. Porém, nada disso se desenvolve. No primeiro item, elas apenas servem como peça do quebra-cabeça da trama. No segundo, a “moça” é tão repetitiva tentando animá-lo que acaba cansando.
Inexplicavelmente, Fancher e Green colocam personagens no jogo que insinuam uma importância inexistente, como é o caso de Robin Wright como chefe de polícia. Os diálogos e as interações dela com K são absolutamente risíveis, algo prejudicado pelas atuações distantes de causar qualquer empatia. A frieza geral de Blade Runner 2049 não deve ser justificada pelo retrato de um futuro árido, pois o original era carregado de melancolia e solidão, mas nem por isso um filme estéril. Isso sem contar o maniqueísmo presente, com seus heróis e vilões claramente estabelecidos. No caso dos últimos, por sinal, pouco espertos e azarados demais.
Méritos técnicos e Villeneuve irregular
A recriação da Los Angeles caótica futurista é um acerto e um dos destaques. Desenho de produção preciso e Villeneuve não procurou imitar Ridley Scott. Visualmente, o espectador é realmente levado de volta àquele mundo, sem que seja preciso copiar planos ou montagem. É preciso salientar também a disposição do estúdio em investir em um filme lento, com um estilo tão particular e anos-luz distante dos blockbusters de hoje. O lado ruim disso é que Villeneuve extrapola na duração das cenas, esticando demais essa narrativa por, literalmente, nada. No início, o que parecia indicar cuidado na construção do personagem principal acaba não se mostrando funcional.
A fotografia de Roger Deakins é o que torna essas imagens espetaculares. Não só contribuindo para a fidelidade ao original, o fotógrafo encontra a beleza no meio destes cenários que nos mostram sujeira e desorganização. Seja no realce das cores ou no peso das sombras, o visual é o que faz a diferença na apreciação geral.
Na trilha sonora, Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch, diferente de Denis Villeneuve, não tinham para onde correr. É evidente que a diretriz era imitar a fantástica música de Vangelis, complementando o elo entre a continuação e o original. Assim o fizeram e você já sabe o que esperar deste resultado. Competente e adequada às imagens, ainda que entre rasgando em alguns momentos.
Bem, não adianta reclamar. Querendo ou não, mexeram no clássico e Blade Runner 2049 está aí. Logo depois de uma direção brilhante em A Chegada, salvando um roteiro bem mais ou menos, Denis Villeneuve dá um passo em falso na carreira. Ambição demais? É possível, mas o canadense ainda tem crédito. Com a porta meio entreaberta para uma franquia, seria bom que a coisa terminasse aqui mesmo, mas também gostaríamos que o diretor escolhesse projetos menos pretensiosos e mais consistentes.