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Azougue Nazaré – Maracatu (e fé) atômica!

Premiado em vários festivais, Azougue Nazaré é a estreia potente de Tiago Melo na direção de longas

Um currículo invejável como produtor, incluindo Aquarius, e uma recepção calorosa para seus curtas-metragens como diretor. Foi preciso mais de uma década para que Tiago Melo se aventurasse no comando de um longa e esse tempo todo parece ter lapidado seu talento para criar atmosferas e presentear o público com Azougue Nazaré. Com passagem por vários festivais nacionais e internacionais, onde levou mais de quinze prêmios, o filme chega às salas comerciais com discrição e numa semana cheia de estreias de blockbusters esquecíveis, mas com sessões lotadas, como As Panteras. Mas uma coisa que o prezado espectador não corre o risco é de esquecer essa obra.

Crítica de Azougue Nazaré

O casal Catita (Valmir do Côco) e Darlene (Joana Gatis) pode ser considerado o protagonista de Azougue Nazaré, pelo menos para questões de organização. Tiago Melo cria um universo próprio dentro de Nazaré da Mata, no interior de Pernambuco, onde as agruras do cotidiano se misturam com a fantasia sinistra que ronda o maracatu, tradição do estado rejeitada pelas novas vertentes evangélicas do local. Quando Darlene se converte, sua batalha diária para converter o marido, adepto fervoroso do maracatu a cada carnaval que chega, torna-se uma obsessão, ao ponto dela contar ao marido sobre o sonho de ter um filho com o pastor de sua igreja (Mestre Barachinha) como se fosse um alerta divino.

Paralelo a esse conflito matrimonial e de fé, acompanhamos outras existências, como a de Tita (Mohana Uchôa), uma costureira que trai o marido e vive em conflito com os conservadores da cidade. É um personagem que tem função também na trama de Catita e Darlene, mas ao qual somos apresentados apenas detalhes de sua rotina. O que poderia ser falta de afinco no roteiro, é na verdade a forma que Tiago Melo escolheu para nos fazer entrar em Nazaré da Mata e seus mistérios, como se fôssemos forasteiros que descobrem um pouco sobre todos, mas sempre resta uma dúvida sem pretensão de ser sanada. Azougue Nazaré pede imersão, até para que possamos aproveitar ainda mais seu lado fantástico, com os lanceiros do maracatu dialogando com os pais de santo e marcando uma espécie de guerra com os evangélicos locais. Poderia o sagrado e o profano conviverem juntos e em paz? 

Crítica de Azougue Nazaré

Catita não tem medo de nada

Não bastasse a bela e crua fotografia de Gustavo Pessoa, que colabora para inebriar o público, Azougue Nazaré cresce consideravelmente por seu elenco. Valmir do Côco surpreende não apenas nas cenas mais fortes, onde assume sua persona do maracatu e encara os puritanos da cidade num misto de deboche e afronta, mas também nos momentos onde “nada parece acontecer”, como no papo no bar que abre o filme. O diálogo em versos é divertido em sua superfície, mas já demonstra os segredos e desejos dos habitantes de Nazaré da Mata. Enquanto o maracatu é uma festa aberta, realizada no meio da rua, os cultos na igreja de Darlene abominam em seus bancos quem dedica sua vida a dar cor e brilho para a festa popular. Algo que será vingado na pessoa do próprio pastor, um ex-mestre de maracatu disposto a evangelizar todos e ir contra sua própria natureza. Uma vez mestre, sempre mestre.

Essa decisão por colocar a “vingança” (é mais uma amostra de estar seguro com as próprias escolhas e não se importar com quem vai contra isso) dos lanceiros como o ponto de encanto do filme é a porta aberta para Tiago Melo deixar fluir seu talento. Há cenas lindas em Azougue Nazaré que, à primeira vista, podem não colaborar com o andamento da história, mas logo se apresentam essenciais para a narrativa e suas entrelinhas. O rosto de Catita, forte e másculo, adornado de batom, e seu andar firme rumo a sua paixão, o maracatu, entra para o hall das cenas icônicas do cinema brasileiro contemporâneo.

Azougue Nazaré não é filme para multidões. Uma infelicidade, ainda mais em tempos onde o nosso cinema precisa como nunca ser valorizado e difundido. Mas as plateias que tiverem a oportunidade de assisti-lo, com a melhor qualidade de som e imagem possível, não vão sair ilesas. A força desse filme de pouco mais de uma hora e vinte minutos é um convite para mais algumas, já que a curiosidade natural nos faz sair pensando o que mais se esconde nos canaviais de Nazaré da Mata. Os visíveis e os guardados dentro do peito de seus moradores.

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