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As Duas Irenes – Sensível, mas sem fervura!

O drama adolescente sincero de As Duas Irenes

Quando crianças, nosso mundo é a projeção de uma fantasia que nossos pais criam. Mas a ilusão de que eles não têm defeitos ou são incapazes de agir de maneira errada se acaba com a chegada da adolescência. Então, Deuses se transformam em homens. E homens falham. As Duas Irenes é uma reflexão do efeito que a percepção da falibilidade parental tem sobre o crescimento de uma jovem. Ou, no caso, duas. Irenes.

Crítica do nacional As Duas Irenes.

As Duas Irenes

O filme de Fabio Meira, que escreve e dirige o drama, é sobre uma garota que, recém-chegada à adolescência, descobre que o pai tem outra família e outra filha com o mesmo nome que ela: Irene. A partir daí, acompanhamos sua jornada e de sua meia irmã, seu aprendizado e o desenrolar de uma história sensível e de relances sutis do universo adolescente. Como poucas vezes eu vi, é bom salientar.

Com uma carreira relativamente curta de roteirista (De Menor, de 2013, além de alguns curtas) , o filme de estreia na direção de Fabio Meira criou uma representação da família tradicional mineira tão aprazível e com tantos detalhes que mal conseguimos distinguir a época em que aquela fração de tempo se encontra. Isso torna a obra atemporal. A abordagem anti-Malhação deixa o melodrama de lado e mostra adolescentes normais com suas minitragédias cotidianas, mas que são tão descartáveis quanto um hit de verão.

O filme traz um elenco sem tanto nome, mas muito bom e com uma direção precisa. Protagonizado pela atriz Priscila Bittencourt como a Irene da família “oficial”, que apesar de muito nova se apresenta bastante segura no papel, também pode se destacar o trabalho bem feito do ator e produtor Marco Ricca. Ele consegue apresentar um pai amoroso, mesmo que falho. A outra Irene, vivida na tela por Isabela Torres, traz uma mistura de representação teatral e espontaneidade que contrasta perfeitamente com a protagonista, mais contida e autocentrada.

Crítica do nacional As Duas Irenes.

As duas mães, Mirinha (Suzana Ribeiro) e Neuza (Inês Peixoto, de Redemoinho, que canta lindamente), são a representação clara do contraste entre a família “oficial”, aquela que se apresenta aos domingos na igreja e onde as tarefas mais pesadas são executadas pela empregada, e a “outra” família, mais humilde, onde a cobrança é menor e existe mais liberdade para ser verdadeiro, mesmo precisando ficar escondida do resto do mundo. Debaixo de tantos pormenores, existe um debate que não precisa ser panfletário, mas que mostra como a sociedade tradicional ainda se comporta fora das capitais.

Para quem nunca viveu ou conheceu o interior de Minas Gerais, a representação das famílias pode parecer um tanto caricata, mas não é o caso. O pensamento fora dos centros ainda é mais singelo e patriarcal. E é possível perceber nos detalhes das locações antigas e nos planos limpos e demorados como o tempo das pessoas se torna mais lento conforme elas envelhecem. Um mérito tanto do trabalho de Fabio Meira quanto da direção de arte, nos transportando para uma simplicidade quase lúdica.

Técnica a serviço do roteiro

A bela fotografia, cheia de simetrias, a utilização de camadas onde existe narrativa tanto no primeiro quanto no segundo plano e com enquadramentos simples, mas relevantes, ajudam a embarcar na história sem distrações. Mesmo que existam vários planos contemplativos, estes não atrapalham o ritmo da narrativa, o que também é mérito de uma boa montagem.

Crítica do nacional As Duas Irenes.

As Duas Irenes é um filme simples, ocupando-se do crescimento de duas meninas adolescentes com muita leveza. Ele consegue a proeza de mostrar uma sexualidade aflorando sem erotização, mesmo ao mostrar beijos e cenas de namoro. O que pode explicar essa sutileza de olhar, além da direção e o roteiro delicado, é a equipe quase toda formada por mulheres. Um frescor necessário ao cinema.

Apesar de extremamente bem construído e de raríssimo bom gosto, a obra peca pelo excesso de minimalismo. Os conflitos são pouco aparentes e um tanto superficiais. Todas as cenas que parecem levar ao embate direto de um clímax são sutilmente desviadas e deixadas para depois. Mesmo sendo uma clara escolha de direção,  isso  acaba deixando o filme quase sempre morno. Apesar disso, o final entrega o que foi prometido, condizente com a forma delicada com que o filme todo é apresentado.

É um dos melhores filmes nacionais do ano até aqui (juntamente com Bingo: O Rei das Manhãs), mas perdeu a chance de ser maior e memorável. Porque menos pode ser mais, mas ainda pode não ser suficiente.

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