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Armas na Mesa – Elizabeth Sloane é um tiro pela culatra!

Jessica Chastain é Liz Sloane em thriller político que peca pela falta de ambição

Thrillers políticos podem ser muito cativantes, quando bem executados, é claro. House of Cards, série original da Netflix, assim como outras desse gênero, vem perdurando há mais tempo do que imaginávamos que iriam – dando uma ideia da atração que pessoas agindo nas sombras de locais de poder, como Washington, exercem sobre nós. Armas na Mesa (Miss Sloane, 2016) deveria ser um bom representante do tipo de história, mas o roteiro “espertinho” de Jonathan Perera acaba se perdendo nos maneirismos do gênero, tornando a obra duas horas de um desfile de Jessica Chastain em salto alto e cabelos rubros perfeitamente alinhados – e não estamos reclamando dessa parte.

Jessica Chastain é Liz Sloane em thriller político que peca pela falta de ambição

Jessica Chastain é Liz Sloane!

A figura do tal “lobbyist” – “lobista”, numa tradução livre e estranha – é um prato cheio para thrillers políticos. São figuras sombrias, não por serem assustadoras, mas por agirem nos bastidores do poder, longe dos olhos e do conhecimento do público, sussurrando intenções secretas de jogadores políticos poderosos nos ouvidos de outros jogadores políticos poderosos. É como se “paranoia política” e “teorias de conspiração” fossem pré-requisitos de seus currículos.

Elizabet Sloane, encarnada por Jessica Chastain, é uma dessas figuras sombrias, ma non tropo, porque sua personalidade expansiva e língua ferina a tornaram uma lenda para aqueles que trabalham com ela e contra ela. A trama começa justamente quando é jogado em seu colo a oportunidade de defender um dos mais poderosos lobbys americanos – a galera das armas.

Jessica Chastain é Liz Sloane em thriller político que peca pela falta de ambição

Depois dos inúmeros massacres causados por pessoas que compraram armas com grande facilidade, algum gênio tem a brilhante ideia de, ao menos, pedir o precedente das pessoas, para garantir que elas não sejam clinicamente malucas a ponto de sair atirando em criancinhas dentro de escolas – o que, a essa altura, já virou um tipo de esporte nacional americano.

Como não poderia deixar de ser, aqueles que defendem o porte de arma totalmente livre– obviamente patrocinados por aqueles que produzem as armas – decidem usar sua montanha interminável de dinheiro para contratar o que existe de melhor em Washington para defender suas intenções; obviamente, esta pessoa é Liz Sloane.

Mas a coisa não sai como esperado, e Sloane não apenas dá as costas a causa da galera pró-arma, como ainda, depois de ser aliciada por Rodolfo Schmidt (Mark Strong), passa a defender a galera anti-armas, levando consigo uma boa da equipe com quem trabalhava na antiga companhia. Perceba, amigo leitor, que a premissa é ótima, dando espaço para diversos debates éticos, além de um grande desenvolvimento da psique dos personagens.

Desperdiçando a ambiguidade da situação

Entretanto, com o perdão do trocadilho, Armas na Mesa é um tiro pela culatra. Porque ele decide se centrar única e exclusivamente na figura de Sloane – e, novamente, não é como se estivéssemos reclamando de uma overdose de Jessica Chastain. A questão é que o filme gira em torno de um único eixo, que durante duas horas produz apenas variações de um mesmo tema.

Isso fica muito claro desde a primeira cena, quando um close já dá início ao filme criando uma tensão perene, na declaração de Sloane sobre sua estratégia. Mas, no decorrer do filme, percebemos que aquele texto, que nos indicava uma pessoa de grande determinação, na verdade esconde alguém à beira da completa sociopatia; uma espécie de atleta das antigas, cega pela vitória e movida a “aditivos químicos”.

Jessica Chastain é Liz Sloane em thriller político que peca pela falta de ambição

E tudo no filme repete esse mesmo padrão. Do início ao fim, todo aquele debate ético que poderia ser proporcionado por um tema tão delicado, além do desenvolvimento dos coadjuvantes interessantíssimos, é relegado em nome da reafirmação do contraste entre a persona profissional de Sloane e sua capacidade aparentemente infindável de usar tudo – e todos – de qualquer maneira para vencer. Não importa se é necessário enganar, mentir, chantagear ou ameaçarArmas na Mesa é, na verdade, uma historinha bem rasteira sobre uma protagonista que obedece ao “be-a-bá” maquiavélico – “blablabla fins justificam meios” (e essa frase nem é de Maquiavel) – colocada erroneamente em uma embalagem de thriller político instigante.

John Madden, diretor do filme, já havia trabalhado com Chastain em A Grande Mentira, o que nos levaria a acreditar que ele saberia usar o potencial da estrela que tem em mãos. Mas o que nós vemos é uma colagem de cenas de uma belíssima atriz conduzida por diálogos frágeis, que abrem mão do conteúdo em nome do ritmo e acabam não conquistando nem uma coisa nem outra.

O filme per se e a personagem se refletem. Assim como não dá para saber qual é – e se há – a mensagem que o filme tenta transmitir, também não fazemos ideia de qual é a da protagonista. Suas convicções políticas – se existem – são completamente desconhecidas. Sua vida pessoal, inexistente. Ela só age – profissionalmente e pessoalmente – na medida em que pode extrair alguma coisa de útil dessas ações. Não que isso seja necessariamente bom ou ruim; o maior problema é que todo o filme gira em torno apenas desse aspecto do personagem de de Jessica Chastain, e apenas esse.

Na verdade, é curioso notar que seu relacionamento com Forde (o surpreendente Jake Lacy) é a única coisa que nos dá uma real noção de como Liz Sloane funciona como um ser humano. A entrega e a naturalidade com que ambos realizam as cenas nos dão uma ideia muito melhor da importância e do peso de tudo aquilo para a protagonista do que quase todo o resto do filme. E o fato de essas cenas serem breves, mas destoarem tanto em qualidade do que vem antes e depois, é um grande termômetro para os problemas da produção.

Jessica Chastain é Liz Sloane em thriller político que peca pela falta de ambição

Obviamente, Armas na Mesa também acaba sendo prejudicado pelo péssimo timing. O momento político norte-americano poucas vezes esteve tão arisco e tão complicado quanto o que eles estão vivendo agora. E nós já mencionamos anteriormente, em críticas de filmes como Um Estado de Liberdade, que quem quer que queira se aventurar em águas perigosas nesses tempos, corre um sério risco de afundar.

Mas se o supracitado filme afundou por talvez ter escolhido uma posição determinada e seguido com ela até o fim, Armas na Mesa – que faz um caminho diametralmente oposto – corre o risco de afundar justamente por não se posicionar em relação a nada, e deixar uma ruiva maravilhosa desfilando de forma deslumbrante para nos distrair do fato de que o roteiro de Jonathan Perera é raso e previsível.

Se fosse em outras épocas, este até poderia ser um filme divertido. Um passeio de uma boa atriz. Eu consigo imaginar facilmente assistir esse filme no meio dos anos 90, na clássica Tela Quente. Mas nós não estamos mais nos anos 1990 e esse filme não foi feito para ser mutilado por uma TV de rede aberta – a barra para ele é bem mais alta e  tem que ser observado como tal. Talvez por isso, no final, a impressão sobre ele não seja das melhores.

Ao contrário da protagonista de Jessica Chastain, é difícil não ficar em cima do muro em relação a ele.

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