Todos temos uma sensação particular sobre o mundo. Porém, mesmo dentro dessa percepção individual, ainda temos vários aspectos em comum com todas as outras pessoas, conhecidas ou não. De maneira original e esperta, Anomalisa conta uma história cativante sobre paixão intensa e frustração inevitável.
Escrito e dirigido por Charlie Kaufman (roteirista de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Quero Ser John Malkovich), o filme retrata um episódio na vida de Michael Stone (dublado por David Thewlis), um palestrante motivacional que viaja até Connecticut para se apresentar à atendentes de telemarketing. Chegando lá, Michael tenta reestabelecer o contato com uma antiga namorada para se distrair um pouco de sua vida monótona, uma investida que acaba não dando certo. Então ele conhece Lisa (voz de Jennifer Jason Leigh), uma mulher que foge um pouco do padrão comum e, por conta disso, Michael se apaixona.
O longa foi realizado em stop motion, magistralmente animado por Duke Johnson que também é creditado como diretor. O filme já ganha um charme nesta questão técnica. Além disso, os personagens apresentam expressões ricas, que cativam ao demonstrar suas emoções a todo momento. Sem querer ser realista ao extremo, mas também sem perder a naturalidade, a animação flui de uma maneira singular, dando uma personalidade muito forte à obra. E o melhor de tudo é que o uso desta técnica de animação não é um simples luxo, mas totalmente aliado do roteiro.
Logo de início, percebemos que a simples sinopse esconde um subtexto muito forte e tocante. Todos os personagens, exceto o protagonista, possuem a mesma voz e a mesma aparência física. Um ponto incomum dentro de uma história que, a princípio, é bem pacata. Todavia, essas características são o que confere riqueza e sentido ao texto. As próprias palestras de Stone são feitas para atingir a massa e ensinar as pessoas do telemarketing, seu público-alvo, a agir de uma maneira robótica. Um reflexo daquilo que o próprio personagem testemunha e odeia no mundo, inclusive na própria família. Afinal, quem nunca se sentiu imerso dentro de um oceano de pacatismo social?
A sonoplastia, dublagem, direção de arte e a fotografia dão o clima certo para o filme. Toda essa competência faz com que o espectador sinta o tédio e a frustração de Michael de tal modo que, quando ele se apaixona por Lisa, nós nos apaixonamos também. Não pela empatia por ela em si, e sim pelo alívio de ouvir uma voz diferente e ver uma face diferente diante daquele mundo padronizado. Praticamente um ponto luminoso em uma escuridão tediosa.
O clímax é o grande ponto forte, porque é nele que compreendemos por completo toda a sutileza e coerência do texto. É justamente neste ponto que conseguimos fazer uma relação consciente entre as sensações e percepções que temos com as que o protagonista apresenta. Mais uma prova da enorme sensibilidade de Kaufman para perceber os detalhes mais interessantes dos sentimentos humanos. Tudo isso sem pudor e de maneira transparente.
Apaixonante na forma e no conteúdo, Anomalisa é uma obra que merece ser vista. Pode não atrair aqueles que preferem histórias mais frenéticas, mas com certeza vai agradar os que se deleitam com a sutileza e as possibilidades da linguagem cinematográfica. Com uma sensibilidade ímpar de um verdadeiro voyeur do ser humano, Charlie Kaufman nos entrega um belíssimo filme que conquista por sua originalidade, simpatia e sensibilidade.