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Alguma Coisa Assim – Amadurecendo ao longo da vida…

Sobre relacionamentos não rotuláveis ou Alguma Coisa Assim

Alguma Coisa Assim retrata a vida de Mari (Caroline Abras – de Gabriel e a Montanha, um dos indicados como representante ao Oscar 2018) e Caio (André Antunes) ao longo de 10 anos cheios de amizade, desejo, parceria, amor, tensão ou alguma coisa assim, como sugere o título. No caso deles, tentar definir o tipo de relacionamento seria em vão, pois os sentimentos transcendem rótulos. Aos 17 anos, 24 e 28 anos dos personagens, vemos a transformação de uma sociedade e das questões comuns que os rodeiam.

Crítica do filme Alguma Coisa Assim

A particularidade de Alguma Coisa Assim é que sua linha temporal tem o centro da ação dividido em três períodos da vida dos personagens, em uma narrativa que compreende 10 anos das vidas dos protagonistas. Vemos os dois descobrirem quem são durante a adolescência, dando o próximo grande passo ao adentrarem a vida adulta e, por fim, lidarem com as consequências de anos de amizade cheios de momentos onde o não dito acaba tomando grandes proporções.

Os diretores Esmir Filho e Mariana Bastos, também roteiristas, criaram o projeto para um curta metragem a ser exibido durante o Festival da Cultura Inglesa em 2006. Recebeu diversos prêmios, incluindo o de Melhor Roteiro na Semana da Crítica do Festival de Cannes no mesmo ano. Após alguns anos, a equipe se juntou novamente com o intuito de mostrar como seria o encontro dos personagens depois de tanto tempo. O projeto evoluiu então para uma produção que podemos comparar com a trilogia de Richard Linklater, iniciada com Antes do Amanhecer (comentado neste vídeo), ainda que seja uma  espécie de versão moderna e resumida.

Se seguirmos o filme pela linha cronológica, veremos um filme diferente do apresentado. Seria mais um filme de pessoas que seguiram seus próprios rumos na vida e se reencontram uma vez ou outra para saber “como estão as coisas”. Caroline Leone (roteirista e diretora de Pela Janela) fez um belo trabalho na montagem do filme, com o uso inteligente das cenas dos curtas anteriores sem entregar a história ao espectador de cara. Assim, acompanhamos a evolução dos personagens junto com eles mesmo.

Crítica do filme Alguma Coisa Assim

No decorrer do longa, questões sobre casamento, aborto e homossexualidade são discutidas e, visto que foi filmado entre os anos de 2006, 2013 e 2016, sabemos que são assuntos que possuem pesos diferentes conforme avançamos no tempo. Eis um ponto em que o roteiro brilha, justamente por ter acompanhado no mesmo período toda esta mudança, trazendo assim diálogos plausíveis ditos por pessoas que viveram o determinado momento e conseguiram formar opiniões a respeito dos temas.

Após 10 anos, não podemos dizer o que separa o ator do personagem

A direção de arte é outro ponto chave de Alguma Coisa Assim. Em 2006 passamos por uma Rua Augusta cheia de neon e balada com painéis que lembram o jogo Tetris com cores frenéticas, imagem que aqui carrega a simbologia da descoberta e aceitação da sexualidade de Caio. O mesmo painel também carrega a descoberta dos sentimentos de Mari e da dor da rejeição que ela sente, o que deixará marcas profundas em sua psique.
Em 2013, as cores estão mais avermelhadas e sóbrias enquanto eles discutem sobre relacionamentos, o que intensifica a conversa ao mostrar que um ainda não está no mesmo lugar que o outro na vida. E terminamos com luz natural e cores neutras que abraçam o amadurecimento dos personagens.

A linguagem técnica das filmagens também evoluiu com o passar dos anos, deixando marcado o período temporal orgânico sem precisar de artifícios para mostrar qual ano estamos vendo. Transitando entre duas cidades sempre em construção, São Paulo e Berlim, os sons de obras do dia a dia fazem parte do filme, intensificando ou conferindo ritmo às cenas, caso do ritmo pulsante de uma balada na Alemanha.

O amadurecimento chega sem aviso

Chegando ao clímax, o filme ganha uma direção mais intimista e angustiante, adentrando o âmago dos personagens. Infelizmente, as cenas se arrastam sem necessidade e o recurso das tomadas lentas para prolongar o sentimento acaba tornando-as repetitivas e cansativas. Somente no final o filme volta a capturar a atenção do espectador, graças à atuação de Caroline e André, que se entregam de corpo e alma e evidenciam a queda da máscara social que os personagens usam para esconder seus sentimentos.

Crítica do filme Alguma Coisa Assim

Alguma Coisa Assim brinca com metáforas durante todo seu percurso, seja com sons e ruídos de obras a todo momento. Justo, pois tanto São Paulo quanto Berlim não param de crescer, assim como Mari e Caio. As mudanças de apartamento de Mari são um reflexo de seu medo do compromisso. Também há a destruição de um local fechado e claustrofóbico, onde Caio começa a se questionar sobre rótulos e cria assim uma metáfora não só pela desconstrução do “jovem padrão”, mas também do mundo à sua volta.

Usando a analogia da experiência do gato de Schrödinger citada no filme, o desfecho não entrega respostas fáceis ou definitivas. Esse é um claro convite para continuar o debate, sem constrangimento, sem máscaras, com nossos familiares, amigos ou… alguma coisa assim.

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