Além Da Morte é o remake do longa Linha Mortal, de 1990
O lançamento nos cinemas de Além Da Morte (Flatliners) é o sintoma final da doença que se alastrou pela criatividade hollywoodiana e a dilacerou quase por completo. Todas as indústrias emitem sinais de sua decadência: diminuição nas vendas, obsolescência em razão das mudanças culturais, sociais, econômicas e políticas, falta de novas ideias etc. A principal máquina de produção do cinema norte-americano começou a emitir os seus há muito tempo, quando remakes, reboots e sequências se tornaram os projetos de maior prioridade. No entanto, nada indica os últimos momentos dessa doença terminal tão fortemente quanto a refilmagem de uma obra do diretor Joel Schumacher!
Brincadeiras à parte (mas nem tanto), este filme do diretor Niels Arden Oplev (sujeito sem incursões interessantes no cinema) conta a mesma história que o longa Linha Mortal, de 1990. Saiu o protagonista masculino, entrou uma protagonista feminina, mas a trama também é sobre um grupo de alunos de medicina que, em um misto de curiosidade científica e morbidez fetichista, decidem ficar mortos por alguns minutos para descobrir o que existe no pós-vida e depois são assombrados por traumas e culpas do passado.
Porém, ao passo que o antigo era charmoso, original e contava com um elenco carismático e talentoso (Kiefer Sutherland, Julia Roberts, Kevin Bacon e Oliver Platt construiriam carreiras sólidas no futuro), o “novo” é genérico, com inúmeras semelhanças com os filmes de terror contemporâneos. Além disso, narra eventos que o público adulto atual lembra (a produção dirigida por Schumacher ainda está fresca na memória) e é protagonizado por um grupo de atores antipáticos e sem a presença de cena necessária para carregar uma obra cujo ponto de partida exige uma suspensão de descrença hercúlea para embarcar na jornada (Diego Luna, de Rogue One: Uma História Star Wars, é o único destaque positivo).
Não só isso, o roteiro escrito por Ben Ripley (mais um sujeito sem grandes trabalhos na carreira) desenvolve por tempo demais a ideia vergonhosa de transformar os seus personagens em super-heróis intelectuais. Depois que eles ressuscitam, os seus cérebros são reprogramados, de tal maneira que todos os conhecimentos adquiridos ao longo da vida são dispostos simultaneamente em suas cabeças. Há até uma cena (na verdade, mais de uma) dedicada a mostrar os resultados de todo esse acúmulo de informações na mente da protagonista (uns dos momentos mais vergonhosos de uma narrativa repleta deles).
Já as motivações estabelecidas pelo roteirista nunca convencem. Talvez receoso de se aprofundar na morbidez e psiquê dos personagens, Ripley já deixa claro desde o início que, com a exceção de Courtney (Ellen Page) – que decide realizar a experiência porque anseia encontrar a irmã mais nova, morta em um acidente de carro ocasionado por sua falta de atenção -, os outros se juntam a ela só depois de verem os benefícios intelectuais originados pela parada cardíaca. A partir do instante em que isso se transforma em uma espécie de estimulante, fica claro que esse recurso desnecessário (como se a chance de conhecer o que acontece do lado de lá não fosse suficiente para atiçar a curiosidade científica de alunos de medicina) é uma intenção óbvia de dialogar com o espectador mais jovem, independentemente da qualidade ou do poder narrativo que ele poderia ter.
Nem a década de 1990 foi tão cafona assim!
A direção de Oplev, por sua vez, em nenhum momento potencializa o terror. Percebam, por exemplo, a cena em que James (James Norton) é assombrado em seu veleiro. Em certo momento, a figura que o ameaça aparece atrás dele, porém, a ausência de clima e o silêncio ressaltado pela mixagem de som anulam qualquer tipo de tensão. Para piorar, nas cenas que se desenrolaram em outro plano espiritual, o cineasta mostra ter pouca criatividade e um mau gosto terrível. Pobremente concebidas e permeada por cores fortes, elas parecem ter sido imaginadas por pessoas com uma mentalidade infantil e ignorantes da literatura que existe sobre o assunto.
Contudo, em Além da Morte, não dá para responsabilizar Oplev completamente quando ele é obrigado a trabalhar com um elenco canastrão e um roteiro recheado de ideias estapafúrdias e clichés do gênero (não há nada mais óbvio que garotinhas macabras). Engraçado, por um momento senti que estivesse falando de alguma produção de Joel Schumacher. Mas, em verdade, estou falando de uma obra bem pior. Triste sinal dos tempos: quando alguns filmes do diretor de Batman e Robin são melhores que muitos da atualidade.