A Vilã: mais um exemplar do cinema sul-coreano
A Vilã (Ak-Nyeo) contém muitas das características que transformaram o cinema sul-coreano em um dos mais ricos da atualidade. Assim como os filmes de Chan-Wook Park (de A Criada), Jee-Woon Kim e Hong jin-Na, o segundo longa-metragem de ficção de Byung-gil Jeong também se destaca pela trama intrincada, complexidade técnica, pelo interesse em figuras à margem da sociedade e pelo emprego da violência como fonte de impacto e meio de expiação. Nesse sentido, é uma obra que não só busca se adaptar às tendências contemporâneas que movimentam as produções cinematográficas em seu país de origem, como também fazer jus à qualidade dos filmes que vieram anteriormente.
No entanto, isso não significa, necessariamente, que o longa esteja livre de falhas. Contando a história de Sook-hee (Ok-bin Kim), uma jovem que, após testemunhar a morte brutal de seu pai, ser treinada por uma gangue de assassinos e começar uma jornada de vingança contra os perpetradores, é capturada por uma facção rival e se torna uma agente de campo – ao passo que dá prosseguimento à sua vendeta pessoal -, o roteiro escrito pelo próprio cineasta e por Byeong-sik Jung peca pelo desenvolvimento parco de algumas de suas potencialidades dramáticas.
As sub-tramas envolvendo o relacionamento da protagonista com o vizinho e a amizade com uma das mulheres que treinou ao seu lado são as que mais deixam claro o equívoco supracitado. A primeira, embora renda momentos plasticamente belos e emocionalmente comoventes (a cena em que os dois conversam debaixo de um guarda-chuva no ponto de ônibus cria um contraste impactante com o restante da narrativa), nunca chega a explorar as consequências decorrentes da identidade dupla de Hyun-soo (Jun Sung) – o vizinho -, nem da sua perspectiva ou da de Sook. A segunda, por sua vez, deixa o roteiro inchado e desaparece tão abruptamente quanto surge, revelando, assim, ter sido inserida apenas como um dispositivo para gerar comoção.
Além disso, a mão pesada de Byung-gil Jeong, por vezes, atrapalha o desdobramento natural dos eventos. Apesar de se tornar evidente que, nos momentos de violência, a câmera é sempre inquieta, enquanto nos instantes em que a personagem principal flerta com a possibilidade de levar uma vida doméstica, ela permanece mais estável, quase todas as cenas são estilizadas. Isso faz com que o espectador não tenha tempo de respirar e a narrativa se torne muito homogênea, o que é contraditório com a intenção de contrastar a violência com o amor.
Menos nem sempre é mais
Contudo, para a surpresa geral, é difícil negar que esses excessos acabam por produzir um filme fascinante. Ao mesmo tempo que uma análise fria revela os erros mencionados acima, o resultado é tão exagerado que é quase impossível não ficar hipnotizado. Como o grotesco que chama a nossa atenção, o filme consegue transformar os seus erros em um quadro do qual é muito difícil desgrudar os olhos. Até mesmo as cenas de ação (há três planos-sequência impressionantes do ponto de vista técnico), com a sua feiura estética e confusão cênica, deixam o espectador sem fôlego e preso a um constante estado de júbilo, a ponto de fazê-lo relevar momentaneamente algumas das evidentes falhas.
Dessa maneira, inconscientemente ou não, A Vilã é uma produção que sabe subverter os seus pontos fracos e incluí-los sutilmente no meio dos acertos. É evidente que, depois de as luzes se acenderem, eles não passam incólumes. A própria “americanização” presente em certos momentos (a forma como Matthew Vaughn, de Kingsman: O Círculo Dourado, filma embates físicos é recriada constantemente), começa a incomodar muito mais do que durante a projeção. No entanto, uma vez que a reação sensorial foi produzida, é difícil diminui-la. Intelectual e criticamente, o longa perde parte do seu impacto, mas, depois que a experiência de desenrolou, ninguém consegue desfazê-la.
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