A Torre Negra troca oportunidade de ser criativo pela aventura segura e insossa
A Torre Negra (The Dark Tower) já é, faz tempo, uma das maiores referências em em termos de ficção fantástica. O mestre do terror, Stephen King (Jogo Perigoso), mostra que, mesmo quando decide se enveredar por outros gêneros, ele ainda consegue se virar e surpreender o público. Não é a coisa mais inovadora do mundo, mas é interessante e envolvente, com personagens carismáticos e um mythos razoavelmente bem construído ao longo de quase três décadas.
E é aí que mora o perigo – do qual a adaptação cinematográfica homônima de Nikolaj Arcel não consegue escapar. O diretor do bom O Amante da Rainha até entrega um filme relativamente organizado, mas não consegue superar um roteiro que esvazia completamente a obra do que a sua fonte original tem de melhor. Ele definitivamente não está em um ambiente confortável; mas é claro que quem o colocou – um diretor com seis créditos na cadeira principal, nenhum deles um blockbuster – não estava pensando nisso.
A série A Torre Negra, apesar de não ser, como dito, tão surpreendente em termos de ficção fantástica, ainda entrega muita coisa que torna sua identidade distinta e única entre outros legendariums míticos da literatura. Mas sequer vale a pena entrar nesses detalhes aqui, pois, com exceção das figuras protagonistas e da Torre Negra em si, quase nada resta do trabalho original de King.
Entramos em um problema recorrente recente, devido à escassez de criatividade em Hollywood, que é o paradigma do qual ela não consegue se livrar – adaptar obras imensamente populares de outras mídias, para alavancar as bilheterias devido a essa popularidade, mas pasteurizar brutalmente o material, buscando a lógica falaciosa de “atingir o maior público possível”.
Mais (de novo) do mesmo
Tomemos essa adaptação como exemplo. Esqueça toda a nuance da história original, e a ambiguidade apresentada por muitos personagens – incluindo o Pistoleiro (Idris Elba, de Beasts of No Nation). Aqui, o que nós temos, é uma estrutura tradicional de aventura pelo ponto de vista do sidekick – no caso, Jake Chambers (Tom Taylor). O filme A Torre Negra pode ser facilmente resumido como “garoto desajustado descobre mundo mágico”, e com a ajuda de um amigo com poderes irá desvendar o segredo predestinado a ele para salvar a si mesmo e ao mundo. Mas para isso, deve, enfrentar um grande vilão extremamente maligno (o Homem de Preto, interpretado por Matthew McConaughey, de Um Estado de Liberdade)”.
Isso não é um spoiler. Afinal, não pode ser spoiler se você já viu esse mesmo filme/livro/quadrinho pelo menos uma centena de vezes. E você já viu uma centena de vezes, porque é um roteiro seguro e confortável. Você sabe onde começa e onde termina. Exatamente como A Torre Negra.
Repetimos – o filme é até bem feito. Os efeitos visuais são bacanas, as atuações são ok, a ação é bem filmada, etc, etc, etc. Mas é uma questão de referência. Se fosse um material original, algo que iniciasse uma franquia cinematográfica com um história para se desenvolver ao longo de alguns filmes, poderíamos levar em consideração e dar uma chance. Mas o material original é rico, e se estende – como já dissemos – por três décadas de publicações.
Em casos assim, eximindo tanto atores, quanto equipe técnica e diretor da culpa do flop já anunciado do filme, emque sabemos que as escolhas são feitas pelas amebas endinheiradas que comandam a produção, as opção são: criar uma franquia adaptando um livro de cada vez e ver até onde vai, ou tentar a sorte e socar 10 livros num filme só e ver no que dá.
O pior dos problemas de A Torre Negra é querer fazer justamente um pouco de cada, da pior maneira possível – é um filme fechado em si mesmo, mas que não explica nada para ninguém. Quando o filme acaba – de maneira aparentemente definitiva – não sabemos porque o protagonista é especial, não sabemos que diabos são os Pistoleiros nem de onde vem, não sabemos qual é a do vilão – a não ser que ele é poderoso e bem malvado – e mesmo o objeto que dá nome ao filme é tão pouco importante na trama que ele poderia ser, literalmente, qualquer outra coisa e daria no mesmo. Para todos os fins, se o filme substituísse a Torre Negra por um Vaso de Petúnias Negro, nada mudaria.
Hey, Hollywood, leave ou books alone!
Ao buscar o “maior público possível”, o filme acaba não dizendo nada a ninguém. O que, salvo raríssimas exceções, normalmente é um tiro no pé. Existe até uma clara tentativa de pasteurizar o Pistoleiro de Elba a ponto de torna-lo um proto-super-herói-relutante; ou seja, buscar lucro onde der. O resultado é uma imensa e carismática saga, com uma legião imensa de fãs esperando para ver essa adaptação, jogada no lixo com a pretensa ideia de reunir papai, mamãe e filhinho na sala de cinema para uma aventura-pipoca inofensiva, mas também insípida.
Novamente, Hollywood decepcionou. Mas isso não é novidade. Desastres de uma década para cá, desde Eragon até o mais recente Warcraft, mostram que toda vez que a indústria americana estende suas garrinhas pegajosas para cima de materiais criativos e populares para adaptá-los, nós já devemos ir desconfiados. Mesmo aqueles que achávamos acima de qualquer suspeita, como Peter Jackson após O Senhor dos Anéis, acabando subjugados a letargia mental dos produtores de Hollywood – como Peter Jackson após O Hobbit.
De fato, fãs deveriam fazer abaixo-assinados para o autores para impedir que essas bobagens fossem feitas, obrigando a indústria americana a valorizar roteiristas com boas ideias originais para CINEMA, e não pateticamente entregar sua visão limitada sobre boas obras, divulgando-as para o grande público da pior maneira possível.