A pedofilia é um assunto delicado que vez por outra circula pelas salas do cinema comercial, mas que raramente resulta em filmes verdadeiramente bons para público e crítica. A polêmica é o ponto de partida da maioria das grandes produções, mesmo em enredos que possuem a profundidade exigida pelo tema. Em 1962, Lolita, do sempre genial Stanley Kubrick, reacendeu o choque causado alguns anos antes pelo livro de Vladmir Nabokov com um filme quase impecável, mas ofuscado pela truculência da história original: o amor entre uma adolescente um quarentão. Uma década e meia depois, Louis Malle filmou Pretty Baby: Menina Bonita (1978), estrelado pela pré-A Lagoa Azul e pré-púbere, Brooke Shields. A obra ficaria famosa com o passar dos anos não pela qualidade técnica, mas como “o filme proibido”, ao trazer uma menina num papel altamente sexualizado e ambientação idem, impensável de ser rodado atualmente. Entre as duas películas, A Menina do Fim da Rua, (Nicolas Gessner, 1976), sobre a estranha relação de uma garota de 12 anos com o pai misterioso, causou tanta discussão que foi apontado com o estopim para o atentando contra o presidente norte-americano Ronald Reagan, em 1981, por um lunático que alegou querer impressionar a atriz Jodie Foster, protagonista do longa.
Diário de um Adolescente (Scott Kalvert, 1995), O Lenhador (Nicole Kassell, 2003), MeninaMá.com (David Slade, 2005), são outros exemplos de produções de apelo comercial que abordaram o tema com maior ou menor profundidade, e que, em diferentes níveis de sucesso, tentaram explorar a complexidade social que o assunto invariavelmente carrega. Ao se pesquisar sobre a estreia desta semana, À Procura (Canadá, Atom Egoyan, 2014) pode-se ter a impressão de que estamos prestes a assistir a mais uma obra que entrará para essa lista de filmes polêmicos, mas eficientes no questionamento da problemática da pedofilia. Um erro que, aliado à direção forçada de Egoyan, pode dar a impressão de que estamos diante de um bom filme. Não estamos.
À Procura conta a história de um pai, Mathew Lane, (Ryan Reynolds) que tem a filha sequestrada ao deixa-la sozinha no carro por alguns minutos enquanto compra uma torta para o jantar. A investigação da polícia se estende por muito tempo, até a descoberta do verdadeiro destino da garota. Apesar da excelente premissa, o filme se perde em roteiro confuso e previsível, que apaga qualquer polêmica positiva. São três as linhas narrativas que se entrecruzam e se desdobram em subtramas paralelas. De um lado, a incansável busca do pai por informações da filha através dos anos e a complicada relação com a esposa, que o culpa pelo desaparecimento. O remorso que ele realmente carrega é agravado pela desconfiança da polícia sobre ele. De outro, a investigação de dois policiais experientes na caça a pedófilos e a relação amorosa que surge entre eles, situação que só complica o caso. Por fim, o dia-a-dia de Cass, a menina raptada.
Outro problema é percebido pelo espectador logo nas primeiras cenas da exibição. Egoyan optou por uma narrativa não linear: o filme não é contado em ordem cronológica, colocando as subsequentes cenas em momentos distintos do enredo. Esse manjado recurso de afago à crítica, que já foi tão sabiamente usado por David Lynch e também de forma eficiente por Christopher Nolan, Paul Thomas Anderson a até por Tarantino, aqui resulta numa estrutura confusa que só dificulta a absorção da história. O problema é tão evidente que o próprio diretor usa do didatismo visual para explicar os acontecimentos em alguns pontos do filme, como colar duas cenas do mesmo personagem em tempos diferentes, sem que isso se justifique narrativamente ou que seja, pelo menos, algo equilibrado. Merece um prêmio quem chegar os créditos finais sem um sentimento de “ué” na cabeça ou algumas dúvidas sobre qual a importância de um ou outro personagem na engrenagem da história ou ainda “que diabos acontecia naquela cena?”.
Outro aspecto irritante em À Procura é a inexplicável superficialidade com que situações tão profundas são tratadas. A ambiguidade da relação entre Cass e seu sequestrador é apenas sugerida, deixando o espectador frustrado em saber qual a verdadeira convivência entre os dois. O perfil psicológico do vilão, um lado que sempre pode render resultados magníficos e propor profundas reflexões, é sufocado pelo clichê da vilania. A organização criminosa em si, parece ter sido criada pela novelista Glória Perez. O filme tem momentos involuntariamente risíveis, como a cena em que Mathew é atingido por dados tranquilizantes ou quando a detetive conta suas desventuras de infância com uma van abandonada. O suspense não se desenvolve, ao contrário, ele acaba logo na primeira meia-hora de projeção.
Mas o filme também tem pontos altos que precisam ser reconhecidos. O principal é deles é o elenco, a começar pelo próprio Ryan Reynolds, em bela performance, provando que pode existir talento em galãs de adolescentes. O ator, que alterna bons e péssimos trabalhos no currículo, é acompanhado pela televisiva Mireille Enos, sua esposa em cena, que também não faz feio no papel da mãe desconsolada. Até Kevin Durand, na pele do sequestrador, transmite muito mais com o olhar frio e doente, adequado ao perfil de um pedófilo, do que o proposto pela constrangedora construção do personagem.
Soma-se à qualidade do elenco, a atmosfera nevada do inverno canadense e a belíssima fotografia lúgubre que o clima pesado exige, que dão o tom que o suspense demandaria. Os dois fatores e a temática podem ter explicado a exibição de À Procura no Festival de Cannes de 2014, que culminou em estrondosas vaias e críticas destrutivas.
À Procura tem bom diretor, bom elenco, boa qualidade técnica e uma excelente premissa. Tinha tudo para ser um suspense magnífico, mas é um desperdício de talentos. O filme que poderia entrar para a lista das grandes produções sobre o terrível problema da pedofilia na era da internet será apenas mais um trabalho a ser esquecido.
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