Difícil saber quais são os objetivos de A Jovem Rainha
Filmes de época cuja história se passa antes do século XX costumam ser engessados. Refletindo o peso das roupas, perucas e dos modos, essas obras tendem a repetir, através do ritmo e dos enquadramentos, o classicismo e o andamento lento e paciente da época que retratam. Com A Jovem Rainha (The Girl King), os realizadores parecem ter desejado romper com essa tradição e entregar um filme sobre a juventude da rainha Cristina da Suécia que fosse moderno, movimentado e ágil. Porém, o tiro saiu pela culatra, uma vez que confundem movimentação com ausência de foco narrativo e agilidade com descuido.
O filme retrata o período entre a morte do rei Gustavo II Adolfo e os primeiros anos do reinado de sua filha Cristina (Lotus Tinat na infância e Malin Buska na fase adulta). A história passa pela criação da garota como se fosse um garoto pelo Chanceler Axel Oxenstierna (Michael Nyqvist, que esteve em De Volta ao Jogo), a chegada da maioridade etária e, por conseguinte, o início de seu reinado, as decisões tomadas por ela durante a Guerra dos Trinta Anos, a sua forte fé luterana, a relação epistolar e, posteriormente, pessoal que mantinha com o filósofo francês René Descartes, a paixão nutrida pela dama de companhia, a Condessa Ebba Sparre (Sarah Gadon, atriz de O Homem Duplicado), a conspiração da Igreja Católica para que ela se tornasse uma rainha defensora do catolicismo e, por fim, a pressão das pessoas ao redor para que encontrasse um marido e parisse um herdeiro ao reinado.
Com algumas liberdades poéticas em relação à história pessoal da rainha e ao desenrolar de eventos geral, o roteiro de Michel Marc Bouchard busca abordar muitos assuntos e apresentar diversas linhas narrativas dentro de uma metragem comum, de apenas 105 minutos. O resultado de toda essa ambição é um filme confuso, que parece não saber qual caminho seguir ou qual é a mensagem que deseja passar. Inicialmente, parece que será um estudo da psicologia de uma jovem que foi retirada de sua infância e jogada no seio de um ambiente político tomado por conspirações, traições e guerras. Porém, no desenvolvimento da narrativa, o número impressionante de acontecimentos acabam por deixar esse viés narrativo abandonado.
Posteriormente, a impressão que se tem é de que será um tratado sobre sexualidade. Pelo fato de Cristina haver sido criada como um homem (as vestimentas são masculinas e logo cedo ela recebe um treinamento para as lutas de espada) e, depois, ter se apaixonado pela Condessa Ebba Sparre, o espectador se vê impelido a fazer uma ligação entre a criação da rainha e os seus desejos homossexuais (aliás, o próprio Conde Johan, interpretado pelo ator Lucas Bryant, faz essa ligação em certo momento da narrativa). No entanto, novamente, no redemoinho de acontecimentos periféricos e centrais, a força dessa história se dilui, e no fim, a paixão entre essas duas mulheres vira apenas um evento melodramático e, por vezes, erótico, perdendo toda a sensibilidade ou capacidade de chocar.
Depois, o espectador chega à conclusão de que A Jovem Rainha é um filme sobre as intrigas do poder, tendo como pano de fundo as guerras religiosas entre as Igrejas Católica e Protestante (com o típico comentário negativo sobre as religiões organizadas). Para isso, o roteiro até transforma a figura de René Descartes – o filósofo que se afirmava católico mas cujos escritos apontavam o contrário – num personagem recorrente. Entretanto, as liberdades poéticas tomadas pelo roteirista nesses momentos de intriga atingem o seu ápice negativo, transformando os padres e pastores em figuras caricatas, unidimensionais, definidas exclusivamente por seus interesses egoístas e nocivos. Essa parte é tão manipuladora que considerá-la o objetivo principal do filme seria julgá-lo injustamente.
No fim, percebe-se que talvez o centro da narrativa seja a liberdade individual da protagonista e que toda essa montanha de temas e subtramas foi colocada com o propósito de fazê-la se desvencilhar das crenças e das verdades que lhe foram ditas em sua criação e durante a vida adulta para atingir a liberdade fundamental, assim como os livros O Discurso do Método e Meditações de Filosofia Primeira, de René Descartes, pedem para o leitor fazer. Mas a confusão visto ao longo do filme aliena tanto o espectador que essa possibilidade nunca o impacta emocional ou intelectualmente. Quando ela surge, o público já está com os olhos fatigados e a mente anestesiada devido ao excesso de informações fornecidas pela narrativa.
A direção é relapsa e descuidada
Buscando uma abordagem visual que pudesse transmitir toda essa densidade informativa, Mika Kaurismäki decupa as cenas freneticamente. Aliada aos cortes rápidos de Hans Funck, o montador, essa decupagem deixa a narrativa urgente e, por vezes, vibrante. Porém, na maior parte do tempo, ela parece ser relapsa e descuidada, como se Kaurismäki e Guy Dufaux, o diretor de fotografia, tivessem se preocupado somente com a agilidade do desenvolvimento da história, não dando aos quadros e à movimentação da câmera nenhum significado ou aprofundamento temático.
Uma das cenas iniciais é um exemplo perfeito dessa negligência. Mostrando a mãe de Cristina, a Rainha Maria, mantendo o corpo do rei anos após a sua morte, e a protagonista do filme, ainda criança, sendo levada pelo Chanceler Axel, essa cena, recheada de possíveis significados, é filmada tão apressadamente que a sua presença no todo narrativo é meramente funcional. Se esse descuido se restringisse apenas a essa cena, não haveria necessidade de mencioná-lo. No entanto, infelizmente, ele é recorrente ao longo da narrativa.
Se o espectador deseja ver um filme de época que consiga revolucionar, à sua maneira, o estilo de filmagem desse subgênero, recomendo que veja Jackie. Mesmo que não se passe antes do século XX, os componentes visuais escolhidos por Pablo Larraín, o diretor, são claros e resultam numa pequena obra-prima dos dias atuais. Agora, se o público estiver interessado em saber qual é o resultado de uma intenção mal sucedida de filmar um drama de época como se fosse um thriller político repleto de intrigas, temas e tramas paralelas, A Jovem Rainha é um prato cheio. Pois, se o filme consegue se sobressair em algo, é na incapacidade de saber o que quer, resultando numa profunda confusão de intenções.