A Freira é um erro do começo ao fim
Desde que Invocação do Mal estreou nos cinemas, a rentável franquia de James Wan vem se tornando cada vez menos realista. E se esse artificialismo produziu os piores momentos de Invocação do Mal 2 (como a aparição risível do Crooked Man), ele atinge o seu máximo potencial destruidor em A Freira (The Nun). No filme, o padre Burke (Demián Bichir, de Alien: Covenant e Os Oito Odiados) e a noviça Irene (Taissa Farmiga) são enviados pelo Vaticano a uma abadia na Romênia para investigar o suicídio misterioso de uma freira e descobrir se o local está sob o controle de alguma entidade maligna.
Obviamente, o problema não se encontra nesse artificialismo fantasioso, mas na maneira como ele é trabalhado pelas mãos inábeis de Corin Hardy, o diretor, e os fins obtidos. Longe de mostrar a mesma habilidade exibida por Davis F. Sandberg na primeira metade de Annabelle 2: A Criação do Mal, Hardy busca aterrorizar o espectador ao mesmo tempo que embala a narrativa com uma estética, efeitos digitais e escolhas narrativas que tornam A Freira um filme de monstros (a abadia e a região são filmadas como se fossem a moradia do Drácula), além de uma luta entre o Bem e o Mal que parece muito mais uma história de super-heróis e vilões do que um embate metafísico.
Várias opções vão afastando a sensação de que os personagens estão vivendo um pesadelo demoníaco: a entonação de voz e a performance de Bichir, as quais lhe dão uma atmosfera caricata e o afastam de qualquer profundidade psicológica; a cena em que a protagonista, após tomar uma decisão importante acerca do próprio futuro, se assemelha a uma super-heroína entrando em uma legião de seres extraordinários; a ideia de mostrar os dentes da freira diabólica (personagem apresentada brevemente em Invocação do Mal 2) e um ente infernal saindo do chão, sempre através de efeitos precários e nada aterrorizantes.
Já a total falta de preocupação do roteiro em desenvolver os personagens faz com que os conflitos internos apresentados no primeiro ato – Burke cometeu um erro no passado que o assombra até os dias de hoje, e Irene se sente atraída por um jovem, o que pode colocar a sua vocação em xeque – sejam completamente abandonados no desenrolar da narrativa. O roteirista Gary Douberman nunca chega a explorar a fundo os conceitos de que os demônios habitando a abadia também podem ser interiores (no caso de Burke) e que o Mal pode atacar de outras maneiras, como afastando uma pessoa do seu caminho natural pela tentação sexual (no caso de Irene).
Em relação à personagem interpretada por Farmiga, essa ausência de densidade acaba por desperdiçar o talento da atriz. Surgindo vivaz, carismática e quase infantil no começo (as crianças ao seu redor são um símbolo dessa natureza inocente), ela é obrigada a passar o restante do filme fugindo das assombrações, nunca tendo a chance de desenvolver mais profundamente a personalidade da personagem.
Sustos, sustos e mais sustos
Assim, não investindo numa estética enriquecedora e sem um bom roteiro em mãos, Corin Hardy recorreu ao recurso mais banalizado do gênero: o susto. A partir do instante em que os dois personagens principais entram na abadia, a narrativa é apenas um amontoado de jump scares pouco criativos ou originais. Aliás, se tivesse de resumir o filme em poucas palavras, diria que todo o filme é um pretexto para uma sequência quase ininterrupta de pegadinhas visuais e sonoras. Nada mais parece ser importante para os realizadores. Na franquia de Wan, nenhum filme deixou tão claro o seu propósito comercial quanto o desastroso A Freira.