A Espera e os sentimentos em torno de quem não está por perto
Talvez, pior que a dor da perda seja a dor da ausência. Durante a vida, nós ouvimos inúmeros relatos e assistimos inúmeros filmes que atestam que saber que alguém morreu pode ser muito menos pior do que não saber onde ela está – se está viva, se está morta, se está ausente por vontade, ou por força das circunstâncias. O conhecimento popular nos diz que aquele que está ausente muitas vezes é mais presente do que aqueles que já se foram – ou, pior, que deveriam estar ali. Esse é o mote de A Espera, filme de Piero Messina lançado em 2015, que chega agora ao Brasil.
Juliette Binoche interpreta Anna, uma mulher profundamente amargurada pela perda de alguém próximo. Nos dias que se seguem a perda, ela fica isolada em seu casarão na Sicília, zelada apenas pelo caseiro local Pietro (Giorgio Colangeli). Entretanto, seu luto é interrompido pela chegada de Jeanne (Lou de Laage), a namorada de seu filho, que havia sido convidada por este para passar a Páscoa ali. Enquanto Giuseppe, o filho de Anna e namorado de Jeanne, não chega, as duas usam o tempo inevitável e o espaço contido do casarão para se conhecerem melhor.
Esteticamente, o filme é um primor. Piero Messina, que foi assistente de direção de ninguém menos que Paolo Sorrentino, imprime na película características de tradição explicitamente italiana, mas sem se reduzir a esse aspecto.
Na verdade, nesse sentido, A Espera parece ser um estudo de caso por parte de Messina; seu início, que se apega aos cenários menores – como o interior dos quartos, onde se guardam memórias – e escuros, refletindo o luto de Anna, é completamente díspar de seu encerramento, que explora muito mais o lado de fora da mansão e uma iluminação mais natural e arejada. Messina consegue imprimir uma transição de fotografia de maneira muito natural, concatenando humores às imagens.
Não apenas através da fotografia, mas também da cenografia – existe um contraste muito claro entre os mundos da mãe, Anna, representado pelo lúgubre e clássico casarão; e o da namorada, representado pelos elementos do quarto de Giuseppe, onde fica hospedada, que são tipicamente modernos e adolescentes. Messina parece ter aprendido muito bem que o bom cineasta também sabe construir uma narrativa através dos detalhes em cena.
Não obstante, existe, dentro dessa proposta estética, também elementos clássicos de giallos, remetendo – guardada a devida interpretação – à clássicos como Suspiria, de Argento. Pois, apesar de ser essencialmente um drama, Messina não ignora o potencial macabro de A Espera, valorizando alguns elementos de suspense, expressados principalmente na figura do misterioso e soturno caseiro Pietro, e – como não poderia deixar de ser em uma boa peça italiana – a sensualidade.
Este último é, de fato, um aspecto interessante, pois poderia perder-se facilmente a mão nesse aspecto de erotismo, pois o filme, como um todo, é muito dramaticamente denso. A inserção desse elemento precisa ser feita com cuidado, para não se arruinar o filme. Messina não só o faz, como o faz com louvor – e se o amigo leitor pensa que falamos apenas da ninfeta Lou de Laâge, engana-se. A conexão entre mãe e namorada também acontece, em alguma medida, nesse sentido, com Messina valorizando muito bem a beleza madura de Binoche.
Mas nem só de aspectos estéticos vive A Espera; na verdade, essa é apenas a moldura. O centro desta pintura está na sua narrativa. Como dissemos no início, é uma história que trata sobre o luto, sobre a ausência. E Giacomo Bendotti e Ilaria Macchia, responsáveis pelo texto – vagamente inspirado em “La vita che ti diedi” e “La câmera in attesa”, obras do vencedor do Nobel Luigi Pirandello – criam um jogo narrativo que maltrata – em um bom sentido – tanto quem está dentro, quanto quem está fora da tela. Pois nós somos informados de que quem morreu foi o irmão de Anna, mas esse nem de longe é o foco da trama; a verdadeira roupa suja a se lidar aqui é Giuseppe.
A “não-presença”
Existe algo de becketiano no texto de A Espera. Nós somos levados a acreditar que as protagonistas do filme são Anna e Jeanne. Entretanto, com o desenvolvimento da narrativa, nós percebemos que, na verdade, tudo gira em torno da “não-presença” de Giuseppe em cena.
“Não-presença”, pois, é algo muito diferente de “ausência” – embora ele nunca apareça, dadas as motivações e a progressão da trama e dos personagens, o verdadeiro protagonista desse filme é aquele que não está lá. Diria Beckett, um personagem larger-than-life, e essa expressão, no contexto da obra, pode significar muitas coisas.
Messina habilmente utiliza essa “não-presença” de Giuseppe para construir um ambiente opressor, e cria uma tensão inicialmente perene, que aos poucos – conforme a relevância e “não-presença” desse “protagonista” só crescem – se transmuta em uma tensão opressora, que transmite com perfeição para o espectador a mesma angústia que vivem na tela as “coadjuvantes-protagonistas”. Esse processo só é superado pelo encerramento catártico do final do filme, que, no final das contas, é apenas coerente com tudo que se viu antes.
É claro que, em muitos momentos, essa quantidade de elementos trabalhados por Messina dá uma patinada aqui e ali. O filme, em alguns aspectos, poderia ser mais enxuto; o diretor poderia observar com mais atenção as lições deixadas pelo supracitado Dario Argento, um mestre no que toca a exploração de múltiplos gêneros em uma mesma peça. Mas, como se trata do primeiro longa metragem de Messina, pode se dizer que existem grandes esperanças de que ele venha a se tornar – pelo que demonstra em A Espera – um dos grandes nomes da arte.