Victoria é definitivamente para o cinéfilo chato. Não, não é no mau sentido… Este indivíduo é, por exemplo, aquele que repara e aprecia uma fotografia estilizada, um diálogo inteligente, diferentes ângulos de câmera ou uma edição bem montada. Componentes de um filme que passam despercebidos do público que somente valoriza o resultado final, sem se atentar ao esforço nos detalhes. Se vossa pessoa também é chata neste (bom) sentido, Victoria pode ser para você.
A euforia da crítica em geral para este longa, ganhador de festivais europeus (há rumores de que não foi escolhido como o representante alemão, na corrida ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 2016, por ter metade do filme falado em língua inglesa), vem do fato de ter sido realizado em um take só (ou uma tomada só, se preferir), sem quebras. Você pode dizer que isso não é novidade, mas mesmo não inventando a roda, é preciso tirar o chapéu para este diretor alemão, Sebastian Schipper, que embarcou neste desafio e se saiu bem (mesmo que esteja fazendo propaganda até demais sobre isso, inclusive no próprio poster!)
Antes de entrar na história de Victoria, vale alguns comentários sobre planos-sequencia e filmes sem cortes. Há quem diga que a ideia de plano-sequencia nasceu com Orson Wells em Cidadão Kane, através de seus longos e elaborados planos de filmagem, e muito se falou recentemente neste sentido sobre os planos empregados no filme ganhador do último Oscar, Birdman. Hitchcock também é muito lembrado pela realização de Festim Diabólico, em 1948, quando fez apenas algumas interrupções sutis e quase imperceptíveis, deixando a impressão de um take apenas. Porém, no final das contas, nenhuma destas obras é exatamente sem cortes e quem é mais lembrado pela ação contínua sem quebra é o diretor russo Aleksandr Sokurov, quando realizou Arca Russa, em 2002.
Sabendo então que Victoria entrou neste meio, vamos partir agora para a trama. Logo na primeira cena conhecemos a espanhola Victoria (Laia Costa) dançando em um clube de Berlim. Residente nesta cidade alemã há uns três meses e sem amigos, ela conhece Sonne (Frederick Lau) e, rapidamente, surge uma forte conexão entre eles. Porém, o inicio de um bom relacionamento é chacoalhado quando o grupo de amigos de Sonne é forçado a realizar um trabalho perigoso.
A isca deste longa (já mencionado nos parágrafos anteriores) é que a aventura desta moça, junto aos outros rapazes, é filmada sem cortes, ao longo de algumas horas pela madrugada de uma noite qualquer. Se você de fato não reparar ou valorizar esta condição do filme, a experiência pode ser mediana, afinal não há twists mirabolantes e a trama principal é um tanto previsível. Por isso, para o cinéfilo chato a alegria será maior ao acompanhar o estimulante desafio de filmagem proposto.
Este plano-sequência único realmente impressiona e é catapultado pelo alto grau de realismo empregado pelos atores, que claramente improvisam dentro de um contexto que faz muito sentido (as situações elaboradas para retratar a juventude europeia são bem verossímeis) e entregam interpretações convincentes, junto ao uso esperto de uma trilha sonora lenta em momentos agitados, que contrapõe o ritmo de algumas cenas. Somando estes pontos ao chamariz do longa (a filmagem em um take, é claro) temos um resultado que impressiona nestes quesitos, mas a parte não tão boa é que deixa a desejar no conjunto da obra.
Acontece que a história não convence por completo e peca na falta de uma narrativa mais energética, até porque a trama não traz realmente grandes surpresas. No momento em que você percebe o propósito apresentado pelo diretor, a ideia chama a atenção, mas perde o impacto com o tempo e a duração mais longa que o habitual atrapalha esta experiência que se torna cansativa. Há cenas que poderiam ser mais concisas e diálogos que deveriam ser menos arrastados. Desconsiderando momentos mais tensos, é preciso ser paciente durante as quase duas horas e meia de filme.
Enfim, em um apanhado geral, esta produção vale como a distinta experiência cinematográfica que é. Dentro de uma indústria que prioriza a produção do mesmo, é extremamente válido recebermos mais um frescor que nos tira da zona de conforto. Poderia ser mais ainda do que é, mas Schipper e sua turma merecem crédito.