13 Minutos estreia em 02/11, mas você pode vê-lo antes na 40ª Mostra Internacional de Cinema!
O historiador francês Paul Veyne é bastante conhecido por uma afirmação que parece óbvia, mas – às vezes – é necessária ser lembrada para se evitar discussões inúteis, falácias ou sofismas: “Na história, não existe ‘e se?’”. A história é o que ela é, e não pode ser de outro jeito, mas é inevitável que a imaginação humana de vez em quando não se perca em certas considerações. E se os persas tivessem vencido? E se Jesus não tivesse se tornado o profeta mais conhecido de Jerusalém? Se os europeus não tivessem se lançado as navegações? E se alguém tivesse matado Hitler antes de a Segunda Guerra começar? Bom, ao menos uma dessas questões quase foi respondida, quando Johan Georg Elser, por uma diferença de apenas 13 minutos, não conseguiu matar o Füher em um dos atentados mais conhecidos contra sua vida. Esse é o mote de 13 minutos (Elser).
O filme é dirigido por Oliver Hirchsbiegel, diretor da obra-prima A Queda – As Últimas Horas de Hitler, que nos apresentava uma perspectiva inovadora – e polêmica – sobre um dos assuntos mais recorrentes da história do cinema. Sendo esta uma obra sobre o mesmo tema, era inevitável desenvolver uma certa expectativa sobre ela. Não tem Bruno Ganz, mas vá lá, já que nem só do septuagenário ator vive o grande cinema alemão. A questão que se põe, então, é: temos aqui algo à altura da expectativa levantada pelo seu realizador e esse tema em particular?
Parcialmente. O filme tem muitos méritos, mas também alguns problemas, principalmente na parte narrativa. A trama, em si, é simples – em novembro de 1939, quando a Segunda Guerra havia apenas começado e estava longe ainda do seu auge total, Johan Georg Elser realiza um atentado contra a vida do líder alemão. O plano falha, matando apenas inocentes e, após ser capturado, Elser começar a recordar todo o processo que o levou até o momento de decidir pelo ato. É aqui que o filme peca em termos, pois o tema poderia provocar uma série de reflexões ou outras formas de desenvolvimento – a perspectiva de Hitler, um líder infalível do seu próprio ponto de vista, e dos seus seguidores fanáticos, ter se salvado por pura sorte; os questionamentos sociais e políticos que levam Elser, um homem comum e até mesmo apolítico, a planejar sozinho um atentado que poderia ter mudado a história da humanidade; o fato de toda a trama envolver tirar algumas vidas para salvar milhões, um clássico questionamento ético.
Entretanto, o roteiro de Léonie-Claire e Fred Breinersdorfer opta pelo caminho fácil e banal – o filme é apenas uma colagem romântica de momentos íntimos da vida de Elser pregressa ao atentado, e as torturas e agruras que sofreu enquanto era questionado pela Gestapo, que não admitia a hipótese dele ter agido sozinho. Todo o potencial de discussão que esse momento histórico sui generis oferece é desperdiçado para se retratar a vida comum de um homem comum. Que, de fato, realizou um feito heroico, mas a questão aqui é justamente essa: apesar de ser baseado em – como diz o famoso pleonasmo – “fatos reais”, nada na vida de Elser parece ter tido muitas consequências, a não ser aproximá-lo mais rápido da morte. Todos os sacrifícios realizados por ele e à sua volta foram frívolos, e Hirschbiegel parece fazer questão de retratar os fatos assim.
Talvez como retrato biográfico seja até preciso, mas como filme se torna uma coisa problemática, pois diversos eventos, como o envolvimento de Elser com a Frente Trabalhadora, a influência que ele exerce sobre Arthur Nebe, proeminente membro do Partido Nazista, e até mesmo aquilo que deveria ser o pilar do filme, seu relacionamento adúltero com Elsa, mulher casada com um apoiador do Partido Nazista grotescamente caricato, simplesmente não tem um bom desenvolvimento e, pior, quase nenhum tem um encerramento.
O caso de Nebe talvez seja o mais irritante nesse sentido, pois sua própria vida renderia um filme também, ou ao menos uma participação maior neste. Mas sua participação dramática é fechada com um lapso de tempo e uma cena montada de forma tão aleatória em relação ao resto do filme que chega a parecer que Hirchsbiegel colocou o pessoal da edição contra um paredão de fuzilamento para inserí-la no filme. Ou seja, para Elser, para Nebe, para Elsa, ou para qualquer personagem do filme, no fundo parece que era desnecessário contar essa história. Como se ela fosse, como nota de rodapé na história, mais interessante do que ela é como filme.
Mas Hirschbiegel é um excelente diretor, e se ao menos narrativamente 13 minutos parece frívolo, esteticamente ainda é uma peça que vale o ingresso. Todos os planos e ângulos de câmera são belíssimos, com o cineasta demonstrando uma boa polivalência da sua visão, pois é de se ressaltar como ele soube valer-se dos ambientes claustrofóbicos em A Queda, em contrapartida valorizando aqui as belas paisagens da Baviera. Não obstante, ele também sabe dosar a intensidade das cenas mais viscerais, envolvendo tortura e espancamentos, sem fazê-las perder a potência.
Alguns podem argumentar que esse tipo de coisa é desnecessária, uma ferramenta barata para provocar o choque sem razão. Este colunista concorda em partes; embora para alguns mais esclarecidos essas cenas pareçam gratuitamente chocantes, uma incômoda lembrança de uma era que se foi e está bem enterrada no lixo da história, por outro lado, e, principalmente, nesses tempos em que vivemos em que as pessoas começam a flertar novamente com o extremismo como uma opção política e social viável, é sempre bom que artistas e pensadores nos lembrem sobre como as coisas realmente eram nesses períodos, cabendo a eles usar todo o grafismo necessário para explicitar essas questões.
Os letreiros finais nos dão conta do que aconteceu com Elsa, o interesse romântico, que deveria ser importante para o filme, mas não é. Também falam sobre a memória de Elser após sua morte, e a demora no reconhecimento do atual governo alemão de suas ações heroicas. Naturalmente. Ao mesmo tempo em que se deve louvar a memória de um homem que quase salvou milhões de pessoas sozinho, deve-se entender o porquê de o atual governo alemão, humanista e democrático, ter suas ressalvas em celebrar alguém que, na prática, foi um assassino.
13 minutos vale a pena ser assistido como uma tragédia romântica. Com boas atuações e esteticamente belo, o filme deve agradar a quem quer fugir um pouco da mesmice hollywoodiana de cada, mas não muito. Mesmo com toda sua violência, e mesmo tratando de um tema tão pesado, o saldo final do filme é relativamente adocicado e leve, sem provocar grandes preocupações ou reflexões no espectador. O que é uma pena, pois, como já ressaltamos, esse tema tinha muito mais potencial. E, em linhas finais, temos que dizer que o sacrifício realizado por esse homem merecia uma celebração maior.
Mas, se existe algo que a história e figuras como Adolf Hitler nos provam é que, na vida real, nem sempre os heróis conseguem vencer.