Em 1999, A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, EUA) balançou o universo do cinema e causou comoção mundo afora com uma ideia criativa e arriscada. Ao resgatar o até então subestimado estilo found footage, os diretores Daniel Myrick e Eduardo Sánchez usaram uma obscura lenda do nordeste dos EUA para simular um documentário, onde os protagonistas desapareceriam misteriosamente. A estratégia de marketing, no entanto, foi dizer que tudo aquilo foi o mais real possível, que a produção era estrelada não por atores, mas por estudantes de cinema que de fato acreditavam participar da criação de um documentário e que foram vitimas do sadismo da equipe de produção que buscava legitimidade nos sustos do elenco. Isso, depois de correr o assustador boato de que o que estaria prestes a estrear era mesmo o resultado compilado do conteúdo encontrado em fitas perdidas na floresta. Os principais envolvidos usavam seus nomes verdadeiros em cena e estavam incomunicáveis há tempos, o que reforçava a ideia de que algo sinistro estava por vir.
O retorno de tanto burburinho foi um sucesso estrondoso. Com custo de produção pouco acima dos US$ 50 mil, menos que um troco de pão para os padrões americanos, o filme arrecadou mais de US$140 milhões em poucas semanas de bilheteria. Todos tinham curiosidade sobre A Bruxa de Blair. O tempo passou e, conforme as verdades sobre a criação do filme foram surgindo, a recepção do público foi se invertendo. A narrativa confusa e a estética tremulante eram condizentes com a proposta original de um “quase-documentário” , mas ao assumir que tudo fora meticulosamente planejado, o filme desconstruiu a si próprio e conquistou a antipatia de grande parcela do público, que embora soubesse que em Hollywood nada é o que parece, se sentiu subvalorizado. O resultado é um filme marcante, para o bem ou para o mal, amado por muitos e odiado por tantos outros, mas indiferente a ninguém.
Agora, muitos anos depois, esse ícone do cinema ganha de fato uma sequencia. Sim, não estamos considerando Bruxa de Blair 2 – O Livro das Sombras (Book of Shadows: Blair Witch 2, 2000, Joe Berlinger) como uma continuação por ser uma história completamente independente do original e estrutura completamente diversa – o ‘2’ do título é, contudo, insano. Estamos falando de Bruxa de Blair (Blair Witch, 2016, EUA), cujo titulo brasileiro perde apenas o artigo feminino inicial para se diferenciar do primeiro episódio, situação que pode levar muita gente a pensar que se trata de um reboot e não de uma sequência. A letra ‘A’, é, como se vê, mais importante do que parece.
Bruxa de Blair se passa 20 anos depois dos eventos do primeiro filme. Na história, o irmão de Heather, a jovem que desapareceu com os amigos deixando para trás os famigerados videotapes como pistas, tenta, já adulto, encontrar alguma informação sobre o paradeiro da garota. Pede ajuda a um grupo de colegas estudantes de cinema e a uma dupla de estranhos moradores locais para produzir um documentário sobre as buscas, assim reproduzindo os cenários daquela noite tenebrosa. Ao pernoitar na floresta, o passado começa a se repetir e o “terror começa”.
O mais curioso, contudo, é que as principais diferenças (negativamente falando) entre Bruxa de Blair (2016) e A Bruxa de Blair (1999) estão, justamente, nas suas semelhanças. O filme é dirigido por Adam Wingard, responsável pela franquia V/H/S (2012 e 2013), outra referência recente do found footage. Aliás, o subgênero das tomadas em primeira pessoa encontradas após eventos terríveis foi revolucionado pelo longa de 1999. Embora não o tenha inventado – o estilo já tinha certa repercussão internacional desde Holocausto Canibal (Cannibal Holocaust, 1979, Itália), de Ruggero Deodato (obra que entrou em nosso videocast sobre Filmes Perturbadores), por motivos semelhantes – o sucesso de A Bruxa de Blair abriu caminho para uma infinidade de produções parecidas e de qualidades diversas que perduram até hoje. O que era relativa novidade no grande cinema naquela época , hoje é algo banal que dificilmente surpreende, situação que contamina gravemente este novo exemplar, que peca pela falta de criatividade.
Ao tentar se legitimar como sequência “oficial”, o filme nada mais é que uma repetição sem constrangimentos dos eventos do episódio anterior, o que muito deve decepcionar quem se deixou mergulhar na expectativa alimentada pelo mistério em volta do roteiro. As referências ao primeiro filme engessam a produção começo ao fim, resultando em uma reles recontagem vazia e pouco interessante. O filme tenta surpreender como continuação ao tentar dar coerência aos fatos ao incluir explicações plausíveis, ao menos dentro do possível, para os eventos anteriores. Porém, a reposta do público dificilmente será melhor que uma torcida de nariz.
A diferença mais substancial do roteiro atual está justamente do didatismo. O que antes era enevoado por um mistério instigante, agora é explicado de forma irritante. Com o avanço do tempo, as tecnologias se modernizaram. Fitas VHS foram substituídas por cartões de memória, câmeras domésticas foram trocadas por microfilmadoras presas ao corpo, celulares e drones de alta precisão. O funcionamento das baterias, as técnicas para que os equipamentos não se desliguem em meio ao caos, os itens de primeira necessidade que em algum momento serão utilizados, enfim, tudo é meticulosamente apresentado nos primeiros trinta minutos de filme, além das justificativas da presença de cada personagem na história. Apesar de tudo isso, não estranhe se você soltar alguns “ué?” durante a projeção.
Outro ponto fraquíssimo do roteiro, além de profundamente incômodo, é a falta de conteúdo. Se a fotografia (se é que ela existe) e a sonografia tentam criar uma estética de terror, o enredo tão amarrado às familiaridades da plateia com o filme anterior não permite um desenvolvimento real da aura de medo, sustentando 90% dos sustos nos detestáveis jump scares. A técnica do susto repentino é usada do começo ao fim de maneira fortemente irritante, o que escancara a fraqueza criativa do roteiro assinado por Simon Barret, também responsável pelo texto dos dois V/H/S.
O filme cresce em seu terceiro ato, único momento em que consegue de fato chamar a atenção do espectador. Nos últimos vinte minutos, Bruxa de Blair até entretém um pouco mais como um filme de terror, embora não o suficiente para salvá-lo de um estrondoso fracasso técnico. Algumas cenas são risíveis, como as explicações para que uma mesma situação seja gravada por diferentes (e quase perfeitos) ângulos mesmo em meio ao pânico generalizado.
Se no filme original o elenco era um atrativo à parte, justamente por ser formado por gente fora do circuito cinematográfico, inclusive utilizando os nomes verdadeiros para dar mais credibilidade a proposta, neste caso, os atores principais, embora não sejam grandes estrelas, são rostos já vistos em outras produções profissionais com alto apelo comercial. A belíssima Callie Hernandez, por exemplo, já tinha dado o ar da graça na série de TV de Um Drink no Inferno (2014) e Sin City: A Dama Fatal (2014). O também protagonista James Allen McCune é mais conhecido por trabalhos na televisão, como The Walking Dead e Homeland. A situação dá um ar ainda mais canhestro ao longa.
Bruxa de Blair é um filme que desperta a curiosidade, sobretudo nos fãs saudosistas do primeiro episódio que anseiam por uma produção à altura. No entanto, antes que os 89 minutos de projeção acabem, eles já vão sentir que este filme não deveria ter sido feito. Não acrescenta nada, não homenageia, não inova, não cria. Tem lá seus atrativos, da mesma forma como muitos outros filmes essencialmente ruins também possuem. Porém, assim como O Livro das Sombras, (por motivos diferentes, frisa-se) deve ser visto, posto de lado e esquecido. A Bruxa de Blair deve continuar ainda por muito tempo como um filme único e sem paralelos. Se você é fã da bruxa, fique atento, ao pensar em assistir, procurando sempre por essa importante letra ‘A’.