Tubarão (Jaws) foi um grande sucesso na carreira de um jovem promissor diretor – Steven Spielberg – que à época tinha apenas 26 anos. Jamais algo tão impactante, relacionado ao universo em que se estabelece, foi feito até os dias de hoje, mesmo após 40 anos. O resultado disso foi um clássico absoluto e, embora a trilha sonora marcante de John Williams, as atuações significativas e os excelentes elementos técnicos do design de produção sejam relevantes e importantes, o sucesso estrondoso que o filme alcançou contou ainda com um elemento chave: a magnífica montagem de Verna Fields.
Formada em jornalismo pela University of Southern California e professora na década de 1960, aos 56 anos ela já era uma artista bem-sucedida no meio, devido a seus trabalhos na edição de som para a TV durante a década anterior, alavancando-a para o cinema – o mais marcante seu trabalho na edição de som do filme El Cid, de 1961. Dedicando-se exclusivamente à sétima arte, trabalhou em outros projetos importantes incluindo a edição de som de Na Mira da Morte (1968), de Peter Bogdanovich, a montagem de Essa Pequena é uma Parada (1972), Lua de Papel (1973) e Daisy Miller (1974), com o mesmo diretor, e ainda Loucuras de Verão (1973), grande sucesso de seu ex-aluno na USC, George Lucas.
Ainda na década de 1970, trabalhou pela primeira vez com Spielberg no filme Louca Escapada (1974), dividindo os créditos da montagem com Edward M. Abroms. Retomou a parceria com o diretor no ano seguinte em Tubarão, sendo também sua assistente de direção. Verna fazia parte do período que ficou conhecido como Nova Hollywood e, ao lado de Thelma Schoonmaker e Anne V. Coates (uma montadora já premiada), foi importante na ascensão de nomes hoje importantes do meio, como Sally Menke, Sandra Addair e Wendy Green Bricmont, além de ter sido executiva da Universal Studios por anos .Richard D. Zanuck e David Brown – que adquiriram os direitos da adaptação – foram os produtores que contrataram Fields e seu conhecimento evitou que o filme se tornasse uma produção ao estilo “trash”, por exemplo. Assim, com um investimento em torno de $8 milhões de dólares e três tubarões mecânicos, o filme se tornou o grande Blockbuster do ano (lucrou mais de $460 milhões de dólares ao redor do mundo), sedimentando uma nova mentalidade comercial em torno das grandes produções.
Exemplo de pessoa e profissional – durante a produção do filme – foi carinhosamente apelidada de “mother cutter” (devido à maneira em que tratava a equipe e a sua habilidade nos cortes) e se os personagens do filme têm suas próprias vontades/desejos, foi graças à sua montagem que o tubarão de Fields também teve. Explorando todo seu conhecimento, ela deu ao mundo uma fera com personalidade e inteligência, excluindo qualquer chance de se tornar caricato. Criou muito mais do que um animal feroz e faminto agindo apenas por instinto, mas uma criatura cuja paciência gerava a inquietude e consequente descrença no sucesso da missão dos personagens no segundo e terceiro atos.
Nesta uma hora restante, somos lançados ao mar como parte da tripulação composta por Brody, Hooper e Quint, a bordo de seu barco ORCA para a caçada ao grande tubarão. Mesclando momentos de calmaria e adrenalina (como uma viagem em alto mar, por que não?) Fields, por meio de eficientes cortes, torna a experiência ainda mais produtiva, empolgante e tensa. Além de evitar mostrar Bruce (apelido do tubarão animatrônico durante a filmagem) exaustivamente durante grande parte do filme, a montagem causa um evidente impacto ao apresentar os ataques ferozes dele nos momentos oportunos. O melhor desta experiência é que a obra em momento algum é cansativa ou desinteressante. Pelo contrário. Durante a caçada torna-se um belo jogo de gato e rato (caça e caçador e vice-versa), o qual somos apenas expectadores de uma batalha onde cada ser reina em seu próprio habitat.
Os demais elementos técnicos citados no início também contribuíram para o sucesso do filme. O design de produção retrata os perigos que cerca a cidade (através das cores e janelas/ambientes/souvenires). A bela fotografia de Bill Buttler situa o espectador em qual momento do dia ele está durante a viagem – já que o relógio é um objeto inexistente – e nos mostra os perigos do fundo do mar por meio da escuridão ao longo do filme (em parceria com Rexford Metz, nas tomadas subaquáticas), aumentando o terror com o auxílio da marcante trilha sonora de John Williams.
Spielberg dirige de maneira segura e, entre seus pontos mais fortes, vale destacar a maneira como ele apresenta o predador (de forma sempre assustadora, através de planos plongée – câmera posicionada acima dos elementos do enquadramento – e contra plongée – posição inversa da anterior –, dando a ele sempre um aspecto de dominação em cena) e a cena do ataque ao jovem Alex, utilizando com eficácia a movimentação da câmera em travelling, fazendo o espectador experimentar a visão do “vilão” do filme.
Em seu livro o autor/co-roteirista Peter Benchley também descreve assustadoramente os ataques. A curiosidade sobre o texto original, motivando uma ressalva, é o caso amoroso – e desnecessário – entre Hooper e Helen Brody, felizmente descartado no roteiro adaptado.
Tubarão tornou-se uma obra tão rica e importante que assistir a ela apenas como passatempo seria um desperdício, principalmente por ser um clássico fascinante, transcendendo décadas com sua intensidade. O fato de Spielberg e toda Hollywood saberem que foi Verna Fields a responsável por grande parcela do sucesso – algo declarado pela própria – trouxe um legado impiedoso: Spielberg afirmara jamais voltar a trabalhar com ela! Precisou de apenas sete anos e três filmes para manter sua palavra já que, em 1982, Verna Fields perdeu a guerra contra um câncer. Ela tinha 64 anos e um Oscar conquistado por este belo trabalho.
Assista também ao Formiga na Tela dedicado a Tubarão!