Por que o filme de terror mudou tanto em quase um século?
O cinema americano normalmente tem ciclos que são ditados por vários fatores, mas eu gostaria de destacar três em especial: o reflexo da sociedade, as inovações tecnológicas e a conexão da sua narrativa com os sentimentos primordiais do seu público. E a chegada dos anos 30 trazia exatamente essa combinação de fatores.
Depois de uma década de depressão econômica, os espectadores dos EUA queriam que, pelo menos, sua experiência no cinema fosse algo divertido, impressionante e, até mesmo, assustador. A inovação do som previamente gravado no cinema garantia que a imersão ganhasse uma camada ainda mais envolvente, e possibilitava o momento de apostar no terror como gênero cinematográfico.
Elementos característicos
Um dos elementos mais pungentes do filme de terror é a dicotomia entre o som e o silêncio. A imagem sozinha já era algo espantoso no início do cinema, mas apenas por seu aspecto de novidade. Uma vez que o cinema começa a estabelecer sua narrativa através de uma história conectada e envolvente, e após os russos revolucionarem a montagem criando o padrão que conhecemos até hoje no cinema, a chegada do som e, principalmente, a utilização narrativa dele, foi o fator mais relevante para a criação do “clima” do cinema.
O terror, basicamente, flerta com o preconceito “narcisístico” do ser humano pelo que não pode controlar (o temor por qualquer coisa que seja estranho ou diferente dele), e o complexo de Deus – quando o homem tenta recriar, através do conhecimento ou da crença, coisas que não seriam da sua alçada, como a vida, a morte e a fé, igualando-se aos seres divinos. (Quer saber mais? Não deixe de conferir esse artigo!)
A inclusão de seres fantásticos e maldições no gênero resgatava da infância algo de “essencial”, que eram esses nossos medos do que a escuridão e o silêncio poderiam esconder. E, porque não, dos monstros embaixo da cama. Sob uma influência interessante do Expressionismo Alemão, e com ícones como Bela Lugosi e Boris Karloff, a década de 30 começava a desfilar uma galeria de monstros, adaptados da literatura do final do século XIX. A Múmia, de 1932, vinha após dois sucessos: Drácula e Frankenstein, ambos lançados em 1931.
A Múmia – uma referência em filme de terror
A escolha da Múmia era uma resposta oportunista ao temor que muitas pessoas sentiram de serem amaldiçoados pelos conceitos religiosos desconhecidos de outras culturas, mais especificamente, os egípcios, uma vez que houvera uma exposição da múmia de Tutankhamen durante a década anterior.
Com uma estética mais seca e afiada que seus predecessores (e que viria a influenciar o gênero de aventura), A Múmia era, também, um filme mais lento, mais focado na atmosfera e com uma premissa mais psicológica.
Boris Karloff, que se especializou em explorar sua persona monstruosa, nesse caso não exibia um excesso de modificações que desfigurassem seu rosto ou que servisse de muleta. Era apenas atuação, uma boa narrativa e som que criavam esse clima.
Quem assiste hoje pode achar as atuações “um tanto” histriônicas e exageradas, mas era uma geração que vinha do teatro e do rádio, e que ainda aprendia como se posicionar diante desse novo território. Mas que estava conectada ao espectador. A parte importante a se destacar desse momento em que se iniciava através dos filmes da década de 30, era a forma criativa como o cinema se reinventava e que hoje não consegue mais. O importante nunca foi o “monstro”, e sim a “mística”.
Às vésperas de completar 85 anos, agora cultuado por ser um clássico, e com outro remake prestes a estrear, A Múmia de Karloff comprova que não se cria mais novas formas de trazer do público o medo e a diversão a não ser por clichês, fórmulas pobres e barulhos altos vindos do nada – os desafortunados Jump Scares. Ou através de releituras consecutivas que perderam o foco no original.
O que está faltando?
O terror, que era um dos gêneros mais importantes do cinema e que teve desde Psicose, do gênio Hitchcock (cujo Festim Diabólico já foi tema de um Na Tela!) até Alien, o Oitavo Passageiro, do não-mais-tão-gênio-assim Ridley Scott, que teve uma carreira deslumbrante, até que não soube mais se adaptar a uma época com informação transbordando pelas orelhas. E as novas apostas, como o aclamado (?) Corra!, apenas apelam para um discurso “pseudossocial” que pouco ou nada tem a ver com o gênero.
Ou seja, nem inovação tecnológica (internet, democratização de recursos cinematográficos, efeitos especiais) e nem o reflexo da sociedade (discurso social, terrorismo, redes sociais) são mais a resposta para que o cinema saia desse ciclo de baixa.
Então o terror morreu? A falta de criatividade e a sensação de conhecer tudo acabaram com o gênero?
Não. Falta ao cinema contemporâneo relembrar para QUEM ele existe. O ser humano ainda é essencialmente o mesmo, e o desconhecido ainda está lá. E se formos novamente à essência de seus sentimentos ainda vamos poder encontrar material relevante para revitalizar o terror. Sem precisar apelar para um Jump Scare atrás do outro.
Gostou desse artigo? Ele faz parte do nosso Especial A Múmia, que já conta com a crítica do reboot com Tom Cruise, um artigo sobre as melhores versões do monstro e um ranking do filmes dos monstros da Universal! Não deixe de conferir!