Cinema paulista ganha homenagem e reflexão do cineasta Elder Fraga em SP: Crônicas de uma Cidade Real
O cineasta Elder Fraga, velho conhecido aqui do Formigueiro (confira o Formiga na Tela com a participação dele), está para lançar o seu primeiro longa metragem – e escolheu a gente para ter a honra de trocar as primeiras ideias sobre o filme, chamado SP: Crônicas de uma Cidade Real. Confira a entrevista, junto com as primeiras imagens dessa peça de bom cinema paulista!
Formiga Elétrica – Oi Elder! Explique para nós o projeto SP: Crônicas de uma Cidade Real.
Elder Fraga – Fala pessoal! O projeto nasceu de um momento muito particular meu, essa sensação de que de certa forma, estamos presos nessa metrópole, que é São Paulo, sem saber o que fazer e para onde ir. Vivemos um período de grande insegurança, o país que está afundado em uma crise política, econômica e moral generalizadas, e não temos nem ideia de como e quando tudo isso acabará.
O meu medo é o medo de muitas pessoas; sou pai e quero um futuro melhor para mim e para minha família, e vou lutar por isso. Mas essa violência toda em que estamos vivendo nos assusta, e esse é o ponto do filme. Todas as histórias são relacionadas ao cárcere, a privação da liberdade – todos os personagens estão, cada um deles, no seu limite, mas lutando para se libertarem.
FE – Existe alguma similaridade entre o seu projeto e outros projetos que louvam grandes cidades, como Tokyo ou Nova York, Eu te Amo?
EF – De certa forma sim. O nosso SP é sobre solidão, vingança, justiça, traição, corrupção. Vamos mexer na São Paulo sombria. São temas bem atuais, é um filme denúncia.
FE – São Paulo pode ser uma cidade realmente caótica e hostil. Entretanto, muita gente parece simplesmente não estar disposta a abandonar esse caos. Ao contrário, muitos dizem ama-lo. Como você mesmo se relaciona com a cidade, e como isso de alguma forma inspirou o filme?
EF – Minha relação com São Paulo começou em 1997, quando cheguei aqui para me aventurar. Um garoto que saiu do Rio de Janeiro e veio tentar a sorte nessa grande cidade. Meu maior medo era ser engolido por ela. Depois de 20 anos, ela ainda me assusta, mas consigo encará-la de frente e vencer, um dia de cada vez.
O filme vem disso também: tentar entender toda essa engrenagem e fazer-la funcionar para que tudo possa dar certo. Talvez seja uma utopia, mas é um eterno aprendizado.
Muitas pessoas ao meu redor vivem esse grande dilema. Como vencer aqui? Você vive numa eterna balança uma vez está por cima e depois pode estar por baixo. Como se manter dentro de um equilíbrio? Talvez eu precise de mais 20 anos para te responder (risos).
FE – Você mencionou, na entrevista que nos deu para o Formiga na Tela, que prefere temas universais nos seus filmes. São Paulo, como toda megalópole, é uma cidade de muitas faces. Falando de forma lírica, muita dor, muita glória, muito sucesso e muito fracasso já foi visto aqui. Como você, como diretor, procurou captar um multiverso dessa extensão em um longa metragem?
EF – Gosto de trabalhar temas que possam aproximar meu trabalho do público. Nem sempre a gente consegue, mas como artista meu principal objetivo é o de me comunicar com as pessoas. Poderia falar de São Paulo de várias formas, mas quis abordar o seu lado mais sombrio, de como “o sucesso e a derrota” andam lado a lado.
Como na vida de qualquer pessoa, os personagens estão em cima da “corda bamba” o tempo todo, no limite. Às vezes você torce por um personagem, mas o final não é o que você gostaria de ver. Tentei trabalhar com esses pontos, pois nem sempre o final é feliz, e é assim na vida real, infelizmente.
FE – Em filmes como o que citamos, Tokyo, os segmentos são dirigidos por diretores com estilos muito característicos, dando um ar todo próprio ao filme. Em SP: Crônicas de uma Cidade Real, você irá buscar dar a cada segmento sua própria característica? Ou podemos esperar algo mais homogêneo, com a sua marca percorrendo o filme?
EF – Vou por esse mesmo caminho. Mas eu dirijo todos os episódios e trabalhei em todos o meu estilo, tudo o que tenho estudado nos curtas-metragens que dirigi. A diferença nesse longa é que vou brincar com gêneros dentro do cinema, e é aí que está o grande tesão desse projeto: poder passear pelo terror psicológico, humor negro, drama, policial, animação e ação.
Esse foi um grande presente, poder fazer tudo isso no mesmo filme. Torço muito para que as pessoas curtam essas histórias.
FE – Você pode nos adiantar um pouco sobre os personagens e ambientações que veremos no filme? Como eles representam SP? Por que você escolheu representa-los dessa forma?
EF – O filme conta com 3 roteiristas, que a partir de algumas ideias minhas trabalharam nos roteiros.
O James Salinas é responsável por 3 capítulos: “Uma Lata de Atum“, que toca em um tema muito polêmico: fazer justiça com as próprias mãos; “Teu dia chegará“, que fala sobre vingança; e “Extração“, que aborda alguns temas muito discutidos pela sociedade brasileira, como corrupção dentro de um sistema que a população não acredita mais.
O Sérgio Alexandre Minehira roteirizou um conto da romancista Anita Deak. Foi um presente trabalhar com eles o gênero, que é o capítulo “Vênus ao Espelho“, de terror psicológico, uma história bem forte, e que mexeu muito comigo quando li pela primeira vez.
E o Leonardo Granado, que escreveu o “Folha em Branco“, uma comédia de humor negro no tom certo, que envolve três personagens bem estranhos.
Muitos desses personagens conseguimos identificar nos telejornais, e estão todos presentes nessa São Paulo sombria apresentada no filme. Queria representá-los de uma forma que o público possa se identificar com as histórias de uma forma positiva, além de fazer uma denúncia para que as autoridades possam enxergar esses fatos/ histórias, não só como estatísticas de uma grande cidade.
FE – Nós podemos ver que o filme conseguiu reunir um elenco interessante. Como eles se sentem com a ideia de representarem diversas facetas de uma mesma cidade? Como foi dirigir tantas pessoas com possíveis visões diferentes sobre o que o filme significa – para eles e para a própria cidade?
EF – Nossa! Esse é o grande trunfo do filme: um elenco de ponta e disponível. Com muitos deles já trabalhei em teatro e cinema, mesmo. Olha, convidei um por um; são todos amigos de longa data, e o retorno foi o melhor possível. Quando enviei o roteiro para os atores, e tive uma resposta positiva deles sobre o projeto, vi uma ideia minha ganhando vida através da boca deles.
Para eles, aceitarem trabalhar nesse filme era a chance de representar pessoas que estão nessa cidade gritando por uma cidade melhor, mais justa para todos, com segurança para nossas famílias e amigos. Vivíamos dentro de uma bolha que estourou, e tudo que não era bom para sociedade apareceu.
Para os atores isso é o lado do filme, que os atraiu para o projeto. Fico muito feliz por isso, e espero que o público possa se identificar, e sentir como nós estamos entregues ali.
Então, meu agradecimento a todos os atores: Luciano Chirolli, Rubens Caribe, Rui Ricardo Dias, Ricardo Gelli, Nicolas Trevijano, Carlos Morelli, Joaz Campos, Alexandre Barros, Gabriela Wazlawick, Luciano Gatti, Camila dos Anjos , Patrícia Vilela , Beno Bider, Marcelo Rafael, Rogerio Brito, Sandrão RZO, Che Morais, Pablo Ginevro, Gustavo Haddad, Ando Camargo, Alexandre Tigano, Marcos Michel, Luiz Sorrentino, Cesar Sorrentino e Paulo Bilynskyj.
FE – Falando em direção, esse é o seu primeiro trabalho sentando na cadeira atrás câmeras para dirigir um longa. Após uma extensa e bem-sucedida carreira em teatro, televisão e cinema, como é essa nova experiência?
EF – Com certeza, esse é o meu maior desafio como artista – dar o tom de um longa metragem com tantos talentos juntos no elenco e equipe realmente torna essa experiência única.
A passagem do curta-metragem para o longa é natural para um cineasta que busca novos desafios. Venho trabalhando em vários projetos de longa e série com outros roteiristas, e o SP veio dentro dessa minha necessidade de me expressar.
Depois de sete curtas, trabalhando com uma equipe incrível e atores de ponta, quis buscar esse novo desafio junto com essas pessoas, que sempre acreditaram em mim e no meu trabalho.
Posso dizer que estou muito feliz, e esse é um momento muito especial na minha vida. Tenho me dedicado muito a esse filme, para que o resultado final surpreenda não só a mim, mas minha equipe, elenco e as pessoas que assistirem.
FE – Nós sabemos que trabalhar com cinema no Brasil pode ser uma atividade árida. Você sente que o fato de dirigir um longa pela primeira vez impôs ou revelou alguma nova dificuldade que você não havia enfrentado antes?
EF – Muitas! Realmente, a produção de um longa metragem independente é um enorme desafio para um diretor que faz seu primeiro filme. Esse projeto é uma parceria de muitas produtoras que abraçaram a ideia e acreditam muito no meu trabalho. É uma família grande que já está comigo desde de o primeiro curta metragem em 2010.
E acho importante falar que esse projeto não teve nenhuma ajuda financeira de editais e nem patrocínio, mas temos pessoas guerreiras e uma equipe e um elenco super disponível, e isso não tem preço.
Meus grandes parceiros nessa jornada são as produtoras Insônia Filmes (Jorge Mendes), AboutImage (Dino Poli), Caiman (Rafael Gama Dantas), Bolha Filmes (Felipe Ramos), TS (Thiago Schulze), Willy Produtor (Willians Alves), além de toda a equipe de produção que me deram todo o suporte.
Aplausos para esses grandes artistas.
FE – Ainda nesse difícil tópico que é fazer cinema no Brasil, como você avalia o atual momento do cinema brasileiro, tanto de blockbusters nacionais, como o recentemente visto Minha Mãe é uma Peça, quanto do circuito mais alternativo e autoral? Como você analisaria os questionamentos ao financiamento público e as disputas políticas em que o cinema nacional se vê inevitavelmente envolvido por conta desses fatores?
EF – Hoje vejo um cinema nacional dialogando com todos os gêneros, coisa que alguns anos atrás não era tão comum, e isso me agrada muito. Um cinema que está presente nos maiores festivais do mundo como Cannes, Berlin, Veneza, Sundance, Locarno, e tantos outros.
Vejo o cinema nacional dialogando com o mundo, falando de temas nacionais, mas também de temas universais. Vejo com bons olhos esse crescimento, e isso é um grande estimulo para quem sonha fazer cinema no Brasil.
Vivemos um grande momento, com diretores incríveis, que vem fazendo filmes ótimos e recebendo prêmios aqui e fora do país, como Fernando Coimbra, Caru Alves de Souza, Aly Muritiba, Afonso Poyart, Marco Dutra, Marcelo Galvão e tantos outros. E claro, diretores consagrados como Fernando Meireles, Walter Salles, José Padilha, Laís Bodanzky e Tata Amaral.
Acho que temos que ter a comédia, como Minha Mãe é uma Peça, e temos que ter o terror também, com O Rastro de J. C. Feyer (link). O publico que vai escolher o que quer assistir, mas ao mesmo tempo temos que ter uma política que faça os filmes independentes chegarem a esse público. Ainda acho muito pouco a cota de exibição dos filmes nacionais, e é desumano brigar com os blockbusters, como um Capitão América.
Acho que temos que lutar por um espaço de exibição justo para o nosso cinema. Tem filmes incríveis nacionais que o público não chega a conhecer, porque acha que cinema bom é o que vem de fora, e nem sempre é assim.
FE – Quando nós vamos poder acompanhar o lançamento de SP: Crônicas de uma Cidade Real? Onde o público vai poder apreciar seu novo “filho”?
EF – Nesse momento estou na fase final de filmagens que encerra no final de maio, depois disso vamos entrar em uma nova fase de pós. A previsão é estar pronto no final de 2018 para começar sua vida em festivais. Estou nesse momento buscando distribuidoras para o filme, e espero em breve ter novidades para falar sobre o SP: Crônicas de uma cidade real.
FE – Diz pra gente, quais são seus próximos projetos? O que vem por aí?
EF – Acabei de lançar o curta-metragem Ser ou Não Ser, sobre o monólogo da peça Hamlet de William Shakespeare, que agora vai começar a carreira nos festivais.
Fui premiado no PRODAV 04/2014 com a série A Fantástica Biblioteca de Tatiana Belinky, e estou nesse momento trabalhando com o roteirista Guilherme Motta no roteiro da série.
E ainda, em fase de captação do longa-metragem Vida de Lutador, sobre os bastidores do mundo do MMA.
FE – Obrigado Elder, e boa sorte!
EF – Obrigado ao Formiga Elétrica! Sucesso!
Quem quiser saber mais sobre o projeto, pode acompanhar através dos perfis do Facebook e do Instagram!
Curtiu o projeto? Não esqueça de curtir, comentar e compartilhar a entrevista! Até a próxima!