Tempos modernos pedem um herói moderno
O homem moderno é um ser questionador. Suas concepções de herói moderno precisam seguir essa tendência. Esse personagem agora se pergunta se quer ser um herói, e não como se tornar um. E tudo isso começa no Iluminismo.
Como vimos no CdF#03, que você pode ler aqui, o conceito do herói clássico vinha do padrão moral regido pelos deuses. Era deles que partiam todas as definições do bem e do mal, e ao homem restava tentar adquirir conhecimento, para então se colocar mais próximo do panteão. O Herói era alguém que era guiado pelo Divino.
Com o Iluminismo e a queda do conceito teocrático, temos uma mudança no design do herói. Ele não era mais alguém que buscando ser parecido com os Deuses, e sim aquele que se ilumina por mérito próprio. O homem seria sua própria luz.
Mas para questionar a autoridade do divino era preciso primeiro quebrar o padrão de perfeição idealizada pelos gregos. Não podíamos mais idolatrar o perfeito, o inalcançável. Tínhamos que começar a nos entender por humanos falhos, e transformar isso no novo padrão.
Estava criada a era do anti-herói. Um personagem que não se põe em marcha por que algo ou alguém o diz que deve, e sim porque sente que é o correto segundo seus próprios dogmas.
A moralidade imoral
O antigo herói se pautava pelo conceito da moral. E a moral era ditada por regras que não partiam dele, mas de ancestrais que a passavam de geração em geração moldando algo que, mesmo que incompreensível ou invisível, era a verdade, pois alguém há muito tempo atrás disse que era.
O herói moderno nasce pelo questionamento do que lhe foi passado como regra. Ele não entende o porquê de ter que seguir ordens de alguém que nem mesmo está lá. Ele é alguém que escolhe ser imoral, ou seja, conhece a moral, mas não a segue. E isso não passa incólume.
Esse personagem que questiona o que é “certo” também sofre por isso. Pois ele não está preparado para a responsabilidade de formar o novo padrão. Como substituir o que é divino pelo que é humano, se ele mesmo não se sente capaz de dirigir sua vida sem Deus?
Por isso, o anti-herói sempre está em conflito. Ele não se sente perfeito. É uma peça quebrada na engrenagem que parecia perfeita. A angústia, a dúvida, a culpa, o erro, o pecado são características humanas e estão presentes nele. Por isso o anti-herói não procura a perfeição dos deuses – ele quer tentar aceitar que é falho.
O exemplo de Onde os Fracos Não tem Vez
Em Onde os fracos não tem vez (No country for old men, 2007), filme dos irmãos Coen, temos uma comparação interessante entre o herói clássico e o moderno. E ainda teremos uma evolução desse personagem: o não-herói.
O delegado Bell, interpretado por Tommy Lee Jones, é a definição do herói clássico. Um homem que vive pela moral, um conceito que ele conhece bem, uma vez que toda sua linhagem é de delegados, e que tem totalmente definido para si o conceito do bem e do mal. Esse homem não se questiona quanto ao que acredita, mas percebe que esse conceito não define mais o mundo.
Llewelyn Moss, o caçador que não consegue matar um animal com um rifle, pobretão, que vive em um trailer e não consegue ter sucesso, retrata a situação social do “white trash” americano. Representado por Josh Brolin, este personagem é a concepção do anti-herói ou herói moderno.
Ele foi criado dentro das regras da sociedade, mas não se encaixa nelas. Se pergunta por que deve seguir regras em que não pode alcançar o sucesso. Para esse homem, que vive numa corda bamba entre o certo e o errado, a maior dúvida é se aquilo que ele faz vale a pena. Ele sabe que é um crime, mas tenta achar uma forma de justifica-lo dentro da moral que lhe foi ensinada.
O terceiro elemento apresentado é o não-herói. O assassino Chigurh, magistralmente interpretado pelo espanhol Javier Barden, é algo novo. Um homem que é amoral.
Não é que ele procure justificar seus atos – ele simplesmente não se pauta por regras vindas de outras pessoas. Mas também não é que ele não tenha regras. Percebemos isso quando ele usa uma moeda para decidir destinos. Suas regras são únicas, e criadas por ele. Nesse conceito, ele sobrepõe a antiga moral por uma nova, sem herança da antiga.
Ele não é um herói moderno por que não busca a perfeição divina; mas também não é um anti-herói, pois não tenta entender a falibilidade de ser humano. Ele é seu próprio e novo Deus, e irá substituir o velho pelo seu novo.
Mas falaremos disso em outra ocasião. Obrigado por ler até aqui, e se quiser ver os outros artigos pode clicar neste link. E se quiser perguntar algo ou dar sua opinião pode fazer isso nos comentários. Até o próximo mês com mais um Caminho de Formiga.