Uma análise da fotografia de Storaro, vencedor de três Oscars, que tem exposição em São Paulo
É muito comum falar que entre os melhores diretores de fotografia da atualidade estão Roger Deakins (Blade Runner 2049) e Emmanuel Lubezki (O Regresso). Mas esquecem que ainda na ativa está Vittorio Storaro, que não é apenas um dos melhores da atualidade, mas sim um dos melhores da história do cinema, junto com outros nomes fortes como Gregg Toland (Cidadão Kane), Gordon Willis (O Poderoso Chefão), Nestor Almendros (Cinzas do Paraíso) e Sven Nykvist (Persona). Mas o que faz o estilo de Storaro tão marcante? Vamos descobrir pouco a pouco.
O Que Faz Um Diretor de Fotografia como Storaro?
Antes de falarmos diretamente sobre Vittorio Storaro, é melhor respondermos a pergunta que várias pessoas fazem: o que faz um diretor de fotografia? Simples – ele transforma o que está no roteiro em imagem, e executa.
Enquanto o(a) diretor(a) de arte está cuidando do conceito visual dos cenários, da maquiagem e do figurino, o diretor de fotografia vai pensar junto com o diretor em como executar aquela cena. Como iluminar? Quais lentes utilizar? Como será o movimento da câmera? Como serão as cores da cena na câmera? São perguntas que o diretor de fotografia vai responder durante a execução do filme.
Mas o que faz uma fotografia ser realmente boa? Não basta ela ser apenas esteticamente bela, ela tem que ter alguma utilidade a narrativa.
Exemplo: em Apocalypse Now – em que a fotografia é de Storaro – além de haverem cores fortes que aumentam a sensação de calor e loucura do personagem, há um uso forte de jogo entre luzes e sombras, que servem para falar metaforicamente sobre a natureza sombria dos seus personagens. Além, é claro, de ser visualmente linda. Acho que deu para entender um pouco o trabalho do diretor de fotografia, certo? Então, vamos ao nosso querido Storaro.
Breve Biografia
O italiano (jura?) Vittorio Storaro nasceu em 1940, na cidade de Roma. Filho de um projecionista, começou a estudar fotografia quando tinha onze anos, e aos dezoito foi estudar no Centro Sperimentale di Cinematografia.
Ficou muitos anos trabalhando como operador de câmera, até fazer a sua estreia assinando a fotografia de Giovinezza, Giovinezza em 1968. Em 1970, faz O Pássaro das Plumas de Cristal, o primeiro filme de Dario Argento.
Ainda na terra natal, faz uma parceria muito produtiva com Bernardo Bertolucci iniciada em O Conformista em 1970. Ambos se deram muito bem, fazendo oito filmes durante vinte anos. Outras parcerias famosas de Storaro são com Warren Beaty, Francis Ford Coppola e atualmente com Woody Allen.
Storaro ganhou três das quatro indicações ao Oscar de Melhor Fotografia sendo por Apocalypse Now em 1980, Reds em 1983 e O Último Imperador em 1989. Também foi indicado em 1991 por Dick Tracy. Mas acho interessante falar sobre alguns pontos que fazem com que o trabalho de Storaro se torna forte. Vamos focar em dois bem característicos.
A Luz
Como Storaro é fortemente influenciado pelo barroco, mais especificamente por Caravaggio, sua luz é muito precisa, e tem uma preferência vinda de algum ponto alto, como se fosse iluminado por uma figura divina. Iluminando apenas um lado do rosto, principalmente quando as cenas são noturnas. Além de gostar de emular a famosa Hora Mágica, que é a luz que ocorre quando o sol nasce ou se põe, deixando uma luz forte no rosto dos seus personagens.
Para dar mais sentido as cenas, é comum utilizar janelas. Não fica apenas muito bonito visualmente, mas deixa a luz diegética, não aparecendo que é artificial. Exceção feita apenas quando o objetivo final é este, como é mostrado em O Fundo do Coração, de Francis Ford Coppola, que é um filme que não se propõe em ser realista. O mesmo exemplo pode ser visto em Dick Tracy, de Warren Beatty.
A Cor
A principal característica da fotografia de Storaro. Ele geralmente utiliza cores fortes e quentes no seu trabalho, principalmente o amarelo e o vermelho, por conta das suas referências barrocas. Além disso, por conta da sua formação e arte clássica, Storaro sempre busca influência de algum pintor para tirar a lógica das cores dos filmes que fotografa.
Exemplo: em 1900, épico dirigido por Bernardo Bertolucci, Storaro teve que pesquisar diferentes pinturas para retratar cada época do ano que, de acordo com o próprio, as primeiras eram pinturas mais ingênuas. Para o outono, a referência foi Vuillard, e para a terceira parte, a referência é a pintura O Quarto Estado de Giuseppe Pellizza da Volpedo.
Ás vezes, nem utiliza uma pintura clássica – pode ser de um pintor contemporâneo, como foi de Francis Bacon para o clássico O Último Tango em Paris. Notem que as cores dos quadros que aparecem nos créditos iniciais do filme é a paleta que ficará durante todo o filme. Mas ele a coloca só porque é bonito visualmente?
Não. Como já foi falado, o trabalho do diretor de fotografia é que, além de ser bonito, precisa ter alguma função narrativa. No caso de O Último Tango em Paris, as cores conseguem dar uma sensação quase onírica ao filme – que faz sentido, já que o diretor Bernardo Bertolucci disse que é baseado em um sonho seu – ao mesmo tempo mostra que há um conflito entre o desejo e a melancolia que os seus personagens passam; principalmente o de Marlon Brando, que geralmente fica nas sombras quando está no hotel aonde morava sua esposa.
Assim, esperamos que esse pequeno artigo tenha sido uma boa porta de entrada para conhecer o trabalho incrível de Vittorio Storaro. O seu próximo trabalho que será lançado é Roda Gigante, o novo longa de Woody Allen. A exposição sobre a sua obra que ocorre na Oca no Parque Ibirapuera vai até o dia 4 de novembro.
Para quem gosta de fotografia é interessante aprender com mestres como Storaro. Interessante que o nome da exposição é escrever com a luz, que é o significado da palavra fotografia. E isso o mestre italiano mostro que sabe fazer muito bem.