Roger Waters quebrando barreiras em The Wall
Em meados da década de 1970, Roger Waters, co-fundador e até então baixista, letrista e ocasional vocalista da banda inglesa Pink Floyd, ao mesmo tempo que gozava de um imenso sucesso internacional, sentia que entre ele e o seu fiel público existia um muro intransponível, em grande parte por causa de sua timidez e dos traumas emocionais que carregava desde a infância. Para demolir essa barreira, ele, que estava acostumado a escrever letras com fortes críticas sociais, decidiu por adotar um tom autobiográfico e uma estrutura conceitual no disco The Wall, de 1979. O resultado dessa imersão interior foi um dos álbuns mais importantes da história do Rock.
Contendo canções consideravelmente mais curtas (ao contrário dos álbuns anteriores, em que algumas delas chegavam a ter quase trinta minutos), um som mais “acessível” (isto é, menos experimental) e Waters como principal vocalista (numa posição que costumava ser de David Gilmour), The Wall, um disco duplo com 81 minutos de duração, foi a oportunidade perfeita para Waters versar, sempre a partir da perspectiva de um personagem fictício que é muito parecido com ele, sobre a própria infância, o falecimento precoce do pai durante a Segunda Guerra Mundial, a opressão que sentia na escola, a relação conflituosa com a mãe, as turbulências amorosas e as já mencionadas barreiras entre ele e os seus ouvintes.
(Confira também nosso vídeo sobre alguns documentários musicais e uma lista de filmes sobre grandes nomes do Rock)
Das caixas de som para as telas de cinema
Apresentando ao público uma faceta desconhecida da banda, o disco obteve um sucesso tão retumbante que, em 1982, com roteiro de Waters e direção do inglês Alan Parker, um filme intitulado Pink Floyd: The Wall ganhou vida e chegou aos cinemas. Antes mesmo de o álbum ter sido finalizado, já existia a ideia de fazer um longa a seu respeito. Inclusive, o cartunista Gerald Scarfe, que teria os seus desenhos aproveitados na obra de 1982, estava relacionado ao projeto desde 1979. No entanto, depois de muitas conversas infrutíferas com a EMI (a gravadora não entendia a natureza da produção), foi apenas quando Alan Parker se juntou ao projeto que as coisas começaram a caminhar.
Fã confesso do grupo e famoso no Mundo inteiro pela obra-prima O Expresso da Meia-Noite, o diretor, que já tinha bastante experiência em adaptar conteúdos densos de outras mídias para o Cinema, fez algumas mudanças no período de pré-produção – como a substituição de Waters por Bob Geldof no papel principal – e, para a surpresa de todos, se permitiu experimentações com a linguagem cinematográfica. Abandonando o seu estilo mais clássico e tradicional, em Pink Floyd: The Wall, ele optou por uma narrativa abstrata, fragmentada e que misturava live-action com animação. Isso acabou por dar ao álbum uma dimensão visual que nem mesmo o ouvinte mais criativo poderia ter imaginado.
Bem-vindo ao show!
Sensorial e imersiva, esta Ópera Rock “floydiana” é um mergulho na personalidade e caráter de um sujeito que foi extremamente importante na formação cultural e intelectual de inúmeras pessoas. É muito difícil achar alguém que tenha nascido depois dos anos 1950 e que, ainda assim, não tenha sido influenciado pelas canções e posturas políticas de Roger Waters. O rock and roll, movimento musical do qual ele foi e continua sendo membro integrante, mudou para sempre os rumos do Mundo. É por isso que tanto o disco quanto o filme são importantes para conhecermos os demônios internos daquele que agiu, direta ou indiretamente, em nossas vidas.
Sendo assim, descobrir, através de imagens e sequências inesquecíveis, que a perda do pai, os anos passados na escola, a forte presença da mãe e um casamento mal-sucedido podem ter alienado Waters a um ponto em que ele não consegue ver no seu reflexo nada senão um ditador que usou cada uma de suas cicatrizes (na forma de tijolos) para construir um muro do qual, na sua posição de poder, ele olha de cima para baixo e nunca para os lados, se transforma numa chance de espectador olhar para a própria história e refletir sobre o a força que acontecimentos antigos continuam a exercer em sua vida.
Cinema e Música!
Não se restringindo ao aspecto autobiográfico, mas também tendo uma mensagem política sobre estados fascistas que pode encontrar relevância até nos dias de hoje, Pink Floyd: The Wall é dos melhores filmes sobre Rock. Esse gênero musical tão peculiar já teve boas incursões na Sétima Arte, porém, nenhuma recebeu um tratamento cinematográfico que conseguisse priorizar, na mesma proporção, o conteúdo tematizado e a experiência sensorial. Na maior parte das vezes, o que se tem são documentários meramente informativos ou produções ficcionais. Uma que consiga fazer o meio de campo entre o caráter educativo do registro documental e as emoções oriundas das grandes histórias é coisa rara. Em razão disso, a produção deve ser constantemente prestigiada. Não é todo dia que nos aprofundamos nas imagens, palavras e sons que constituem a vida de uma pessoa.