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À Queima-Roupa: 50 anos de um clássico!

À Queima-Roupa e o charme dos brucutus das antigas

Esta que vos escreve nasceu em 1987. Vinte anos antes, algo de real importância aconteceu. Tinha início uma revolução que deixou muita gente confusa em seus primeiros passos. Enquanto havia a turma que queria desvendar o espaço, nas florestas do Vietnã haviam meninos que seguravam armas sem entender muito bem o porquê. Novas cores tomaram conta de uma geração cansada do cinza conservador vestido e divulgado por seus pais. Cores estas que foram refletidas na tela, tornando a sala de exibição um lugar para sonhar menos e refletir mais. As divas, os romances com ares bucólicos e a inocência dos faroestes estrelados por John Wayne e Randolph Scott já não fazia mais sentido para o público. Não eram mais os mesmos e ainda descobriam a alegria e o conforto da televisão. Nascia um novo cinema.

Se o prezado leitor mirou nos jovens turcos da Nouvelle Vague, não está ruim de pontaria. Mas, sem desmerecer François Truffaut e seus amiguinhos, o tiro certeiro veio de Hollywood e não nos deu tempo de pensar muito. Entre os exemplares precursores da chamada Nova Hollywood produzidos em 1967, ano que teve maravilhas como A Primeira Noite de Um Homem, de Mike Nichols, e No Calor da Noite, de Norman Jewison, está um filme de vingança inovador, inteligente e sexy que dá novo significado para um dos rostos mais conhecidos do cinema de ação.

filme a queima roupa

Lee Marvin é Walker em À Queima-Roupa (Point Blank), do diretor britânico John Boorman, um homem traído pela esposa, pelo melhor amigo e pelo mundo. O espectador mais distraído pode pensar que não passa de um filme descontínuo sobre alguém que quer recuperar 93 mil dólares a qualquer custo. O filme de Boorman não deixa de ser isso, mas basta um mergulho mais profundo para descobrirmos uma obra de arte feita de tiros, concreto e cores. A direção de arte teve a preocupação de colocar pontos de cor em meio aos tons soturnos da paisagem urbana na qual o filme se passa. Um pouco de vida no meio da crueza, seja provocada por um vidro de perfume quebrado no banheiro ou nas luzes do clube de jazz.

Aliás, é neste último que acontece uma das melhores brigas do longa. Boorman coloca na troca de socos o tempero dos novos tempos. A pancadaria nos bastidores tem como trilha de fundo os agudos do cantor que se apresenta no palco. É muito mais que três caras quebrando os queixos um do outro. Os pés deslizam na pista de dança enquanto o sangue escorre do rosto de Walker.

Música e tiros

Por falar em trilha, mais do que música, À Queima-Roupa faz dos sons da vida uma peça importante no seu desenvolvimento. Os passos fortes de Walker, indo em direção ao novo lar que sua esposa divide com seu agora “ex-amigo” Mal Reese (uma ótima atuação de John Vernon) dão o ritmo que faz o público pulsar enquanto espera o quadro seguinte, que já nos leva para outro lugar, longe dali, numa abandonada prisão de Alcatraz. Mais que fugir do roteiro comportadinho, o filme imprime um quê de delírio, refletindo a alma de Walker, ainda assombrada pelo passado. Fica um aroma de psicodelia após os créditos finais. Mas voltemos ao começo de tudo. Se Boorman não quis seguir tudo certinho, porque não podemos fazer o mesmo, né?!

Já no prólogo, À Queima-Roupa demonstra ter encontrado um equilíbrio de influências. O filme noir dos anos 30 dá as mãos com a Nouvelle Vague (sim, ela era jovenzinha, mas já tinha os seus admiradores longe da França). Ângulos de câmera criativos e um protagonista com cara de “gente comum”. Não que haja um Lee Marvin em cada esquina, mas os traços fortes do ator e seus cabelos brancos não eram pré-requisitos para ser galã. Logo, não espere dele arroubos românticos à la Clark Gable. O amor, para Walker, é uma ferida aberta que aumenta de tamanho com a morte por overdose de Lynne, a esposa que o abandonou pelos dólares de Reese. O jeito é apelar para a cunhada, Chris, interpretada pela sempre marcante Angie Dickinson, para seguir com seu plano de vingança. Entre um beijo e outro, diga-se de passagem. Walker é bruto, mas também tem sentimentos. Emotivo e primitivo, como anunciava o trailer na época do lançamento do filme.

filme a queima roupa

E ainda tem a arquitetura de São Francisco, na Califórnia, no elenco. A cidade poderia ser qualquer outra, mas a câmera faz questão que as curvas de suas construções sejam mais que o fundo de uma ação importante. É nas escadas, nos corredores, embaixo das pontes que os movimentos acontecem, cabeças explodem e carros colidem. Um balé de tiros que nos prende na poltrona e faz nossos olhos vidrarem na tela. Boorman trouxe o belo para a violência de uma forma que só pode ser equiparada a outro grande diretor amante das pistolas e das vinganças: Sam Peckinpah (falando nisso, já viu este vídeo sobre Meu Ódio Será Sua Herança?) . A gurizada que acredita que filme de ação só precisa de explosões e trilha acelerada poderia ter umas aulinhas com eles. O cinema agradeceria, aliás.

Nasci quando À Queima-Roupa já tinha o título de clássico, como a primeira frase deste texto já avisava. Mas poucas vezes me senti tão próxima e tão encantada de uma trama como quando descobri o filme de John Boorman. E pretendo voltar a ele não só agora em seu aniversário de 50 anos, mas até o fim dos meus dias. Nunca será o mesmo filme. Sempre encontrarei uma outra face de Walker, uma nova cor, um novo plano. Da boa safra de 1967, a obra é aquela garrafa cujo primeiro gole não é fácil. Mas seu sabor de sangue e pólvora inebria nossa cinefilia.

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