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Compañeros – Viva a revolução do spaghetti!

Dirigido por Sergio Corbucci, Compañeros é um spaghetti western que vai além da pura diversão

Quantidade não é garantia de qualidade. Essa é velha, mas ainda vale para muitas coisas, inclusive o cinema. Produzir em larga escala era o lema dos ciclos de cinema italianos, cuja principal preocupação era ter sempre um, ou mais, lançamentos por semana nas salas de exibição e garantir uma boa bilheteria. Entre esses ciclos de filmes, talvez o mais famoso seja o spaghetti western, que teve seu início em meados da década de 60, justamente o período em que o faroeste americano clássico entrava em declínio tanto em arrecadação quanto em produção. O grande nome desse subgênero foi, sem dúvida, o italiano Sergio Leone, criador de um estilo copiado e revisitado por seus contemporâneos e facilmente reconhecível, como a obra-prima Era Uma Vez no Oeste. Mas vamos pedir licença para o mestre Leone e fazermos uma afirmação, no mínimo, polêmica.

Seu xará, Sergio Corbucci, ficou com fama de ciumento pelos corredores da Cinecittá e na cidade cenográfica de Hojo de Manzanares (principal cenário dos spaghetti) por realizar obras que aludiam, em diferentes proporções, aos filmes que Leone realizava. Se a Trilogia dos Dólares tinha um homem de poucas palavras como protagonista (um certo Clint Eastwood), Corbucci criou O Vingador Silencioso, cujo personagem principal era…mudo! Esse é só um dos exemplos da ideia que afirma que Corbucci exagerava tudo que Leone criava. Mas como dizer que isso tinha a ver com inveja, se o nem tão celebrado diretor conseguiu a proeza de fazer piada com a revolução mexicana sem esquecer da crítica política? Chegou a hora do duelo final, com direito à um tiro extra de Corbucci. E a bala de ouro chama-se Compañeros.

Compañeros

Zapata westerns: tempero político

Lançado em 1970, o filme se encaixa no que alguns pesquisadores e críticos chamam de terceira fase do spaghetti western. Os zapata westerns ou westerns socialistas, começaram a ser produzidos em 1968 e estiveram em alta até 1972, e a maioria de seus roteiristas tinha ligação com o Partido Comunista da Itália. Compañeros segue à risca a receita de um bom zapata western, não apenas por ser ambientado na Revolução Mexicana, mas por resignificar o objetivo da dupla de protagonistas, interpretada por Franco Nero e Tomas Milian.

O que antes trazia a ideia do pistoleiro experiente que molda seu pupilo para os embates nas ruas poeirentas e desertas, agora é uma amizade repleta de altos e baixos entre um camponês ingênuo politicamente e um “gringo” idealista, mas sem perder a malandragem. Yodlaf Peterson (Nero) é um vendedor de armas sueco que se alia aos general Mongo para libertar o revolucionário Xantos, vivido por Fernando Rey. Para ajudá-lo na empreitada, é designado o nada discreto “El Vasco”, típico personagem que cai como uma luva para o cubano Milian.

Por mais amor que tenhamos pelo spaghetti western (e esta que vos escreve tem um incondicional), sabemos que roteiro não é o forte destas produções. E isto está longe de ser um defeito, já que são justamente as aventuras ao longo da jornada que importam para o espectador. Se há lógica ou complexidade na trama, não faz muita diferença. Porém, Compañeros cria situações que, à primeira vista, parecem apenas piadas visuais, mas escondem uma ácida crítica à sangrenta revolução dos mexicanos. O jogo dúbio de Vasco e Yodlaf com o exército e os revolucionários é um retrato da própria conduta dos poderosos da época. E, infelizmente, ainda se encaixa em muitos governantes dos nossos tempos.

Franco Nero, facilmente reconhecível com seu traje e chapéu pretos no clássico Django, agora veste a elegância europeia, com direito a bengala e paletó. O apelido que ganha de vasco, Pinguim, diz muito sobre a visão que os mexicanos tinham dos estrangeiros, mas essa construção, em mãos pouco talentosas, poderia cair no estereótipo. Só que em Compañeros, talento é o que não falta. Tomas Milian merece o título de mais poderoso ator dos spaghetti westerns, o que não é lá um grande elogio. Bastam alguns exemplares, em especial os estrelados por Anthony Steffen e George Hilton, para descobrir que não era preciso ser nota 10 na escola de arte dramática para ser escalado para o elenco.

Compañeros

Milian é natural no seu jeito cafajeste e, ao mesmo tempo, infantil de encarar um mundo em conflito. A parceria com Nero, que tem um talento para a comédia pouco explorado (que pode ser conferido no insólito Os desajustados do Amor, de Tinto Brass) torna a sessão de Compañeros um bálsamo para quem já estava com o olhar adaptado para um elenco de expressões genéricas e até entediantes. Quem colabora para tornar tudo ainda mais divertido é Jack Palance. O eterno vilão surge em momentos estratégicos para esboçar seu sorriso macabro e guiar o fiel escudeiro Marshall, um falcão que já lhe prestou um favor um tanto macabro (assista e descubra!).

Abertura certeira

Compañeros encerra uma trilogia não-oficial de Sergio Corbucci, que inicia com Django, em 1966,  segue com Os Violentos Vão Para o Inferno, de 1968. Não que haja uma história em comum nas três produções, mas as temáticas conversam entre si e a violência ganha força e significado. Não é necessário assistir aos três filmes para desfrutar da história de Yodlaf Peterson e El Vasco. Mas aumentar o repertório de spaghetti westerns é sempre garantia de bons momentos. Ainda mais quando se tem uma cena de abertura poderosa. Imagine uma moça, de cabelos curtos e vestido surrado, correndo desesperada por uma cidadezinha aparentemente abandonada. Ao fundo, a trilha composta por Ennio Morricone e conduzida por Bruno Nicolai vai em um crescente enquanto os créditos dominam a tela. Apresentações feitas, um baque, a moça e a música param: bang! Dois homens, munidos de pistolas, se posicionam para o duelo. Vai começar um spaguetti.

Sergio Leone é brilhante, mas devemos dar a devida importância para Sergio Corbucci. Sem ele, a violência não seria tão estampada, bruta e bela em proporções iguais, e um filme feito para encher cofres não teria tanta liberdade para dar o seu recado. Com tantas produções baratas e contidas, que colocam amarras desde o roteiro, Compañeros é um grito de liberdade inspirador para novos realizadores e até para cinéfilos cansados de histórias mirabolantes na forma e com quase nada a dizer. Viva la revolución! Viva Corbucci!

 

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