Alguns dos exemplares mais fascinantes do gênero se encontram nos primórdios do cinema de terror
Um dos gêneros com maior potencial para explorar o fantástico e o processo psicológico ao assistir um filme é o cinema de terror. Pensar que algo ficcional e explicitamente encenado consegue gerar sentimentos tão intensos, que extrapolam os limites intelectuais e se tornam manifestações físicas, prova o imenso poder deste tipo de narrativa. Além, é claro, gerar diversos ensaios sobre os maiores anseios humanos.
Nos primórdios do cinema, o gênero Terror já estava presente e muito bem representado. Dedicando-se em mostrar o fantástico sem amarras, mais do que simplesmente assustar, alguns dos filmes mais marcantes fazem parte da fase muda da sétima arte.
Com a ausência do desenho e mixagem de som para auxiliar na tensão e no clima, o visual impactante e os experimentalismos com efeitos especiais eram os grandes responsáveis por transmitir todo o onirismo delirante que apenas os mais inventivos autores são capazes de criar. (Falando nisso, já conferiu nosso artigo a respeito do cinema mudo?)
Neste artigo, comentarei brevemente a respeito de cinco filmes mudos que considero verdadeiros marcos para o gênero Terror. Óbvio que existem muitos outros, como as adaptações de clássicos da literatura como O Médico e o Monstro, Frankenstein, etc.; e claro, o Expressionismo Alemão, que nos deu obras-primas como Fausto e Nosferatu. Mas estes ficarão para outro momento.
O Castelo Assombrado (Le Manoir du Diable, 1896)
Considerado como o primeiro filme de terror, O Castelo Assombrado é um curta-metragem francês com pouco mais de três minutos, dirigido por George Méliès (sim, o mesmo de Viagem à Lua). Nele, Mefistófeles conjura uma variedade de seres sobrenaturais com a ajuda de um caldeirão mágico.
É claro que o principal objetivo dessa película era, além das experimentações com cortes e fusões para a realização dos efeitos especiais, o entretenimento e não causar sustos.
Além de ser considerado o primeiro exemplar do cinema de terror, O Castelo Assombrado também possui enorme importância por ser um dos pioneiros em usar o fantástico de maneira visual através de trucagens de câmera, corte e edição, abrindo o caminho para as novas possibilidades dessa mídia que ainda estava engatinhando.
O Fantasma Vermelho (Le Spectre Rouge, 1907)
Inspirado por Méliès, o diretor espanhol Segundo de Chomón, realizou O Fantasma Vermelho, lançado na França em agosto de 1907. No filme, temos um espírito que faz uma apresentação com todo o tipo de mágica em seu covil.
Aqui, Chomón utiliza os mais diversos efeitos especiais, desde cortes em meio a remontagens do cenário até fusões e perspectivas, gerando, por exemplo, a famosa cena das mulheres presas dentro de garrafas.
A película foi tingida a mão, dando tonalidades interessantes que ajudaram no caráter fantástico da obra na época. Tudo bem, o fato do filme ter sua coloração poderia tirá-lo desta seleção devido ao título da própria. Mas deixemos isso apenas entre nós ;).
A Casa Assombrada (La Maison Ensorcelée, 1907)
Mais uma obra interessantíssima de Segundo de Chomón, é A Casa Assombrada, lançado na França em dezembro de 1907. Utilizando ainda mais recursos inovadores para colocar o sobrenatural e o fantástico na tela, temos nesse filme, além de fusões, inclinação de câmera e stop-motion, dando novas possibilidades inventivas para a criação de momentos sobrenaturais.
Na história, temos três viajantes que estão enfrentando uma impiedosa tempestade e decidem se refugiar em uma casa isolada. Obviamente, eventos estranhos, como objetos se movendo sozinhos e aparições fantasmagóricas começam a acontecer.
Além da questão técnica mais apurada, o filme também possui um final muito impactante, tanto pelo visual quanto pelo conceito que beira o surrealismo. Cinema de terror da melhor estirpe.
Inferno de Dante (L’Inferno, 1911)
Em 1911, temos um verdadeiro épico originado da Itália. Dirigido por Francesco Bertolini, Adolfo Padovan e Giuseppe de Liguoro, Inferno de Dante foi uma verdadeira mega produção, tanto em termos de logística quanto em aspirações narrativas.
Adaptado de A Divina Comédia de Dante Alighieri, esse filme italiano possui como principal influência visual, as obras do famoso artista Gustav Doré, que além de ter ilustrado o livro de Alighieri, também ilustrou Paraíso Perdido de John Milton, O Corvo de Edgar Allan Poe, Manfredo de Lorde Byron, entre outros.
O filme também constrói imagens fortíssimas, inspiradas em símbolos e iconografias de diversas culturas que sintetizam alguns de nossos principais medos, de modo que o tornam uma obra visualmente impactante e conceitualmente poderosa.
Além do primor técnico em relação à perspectiva, a obra também surpreende com o modo como deram vida a certos personagens complicados, como por exemplo, Bertran de Born, que no livro de Dante, possui a cabeça separada do corpo por ter causado a desunião de pai e filho.
Confira o filme:
Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos (Häxan, 1922)
Avançando uma década e indo mais para o norte, temos um fabuloso exemplar sueco dirigido por Benjamin Christensen, chamado Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos, já comentado em nosso artigo sobre Cinema Mudo. O filme é um documentário ficcional que mostra a evolução da bruxaria, desde suas raízes pagãs até a histeria na Europa moderna.
Apesar dos inúmeros recursos de montagem para os efeitos especiais, que são realmente impressionantes, o filme também se destaca pela ótima fotografia, direção de arte e enquadramentos que o fazem parecer um filme a frente de seu tempo.
Com closes dramáticos, bruxas voando pela cidade, criaturas diversas, rituais de sabbath e design de produção extremamente rico e caprichado, a obra foi a produção mais cara de todos os países escandinávios da época.
Os gêneros fantásticos não possuem limites estéticos nem narrativos. Desbravar novas possibilidades dentro da linguagem cinematográfica é descobrir novos meios de impactar o ser humano, e proporcionar uma experiência artística única.
Tivemos grandes artistas que auscultaram diversos caminhos para se fazer cinema de terror. Desde os alemães com seus delírios internos externalizados, e italianos com seu vermelho profundo, até os asiáticos em sua simbologia poética.
Que o futuro esteja cheio de novos mestres da sensação, para nos propiciar mais experiências marcantes dentro da fantástica e obscura sala de cinema.